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TESOUROS

Jóias da arte: pequeno antiquário de Cabo Frio guarda preciosidades de Scliar, Carybé e Volpi

Há 30 anos atuando no mercado de antiguidades, comerciante Ronaldo Amador tem acervo com mais de cinco mil itens e muitas raridades

14 agosto 2022 - 12h02Por Rodrigo Branco

É num pequeno imóvel na Estrada de Búzios, no Porto do Carro, que o petroleiro aposentado Ronaldo Amador, de 75 anos, mantém o seu universo particular há quase uma década. Em uma das paredes, a coleção de quadros impressiona os olhos mais treinados para as artes plásticas, mas para dirimir quaisquer dúvidas, em cada uma das peças há uma etiqueta de identificação cuidadosamente escrita a caneta pelo proprietário, como a da descrição a seguir: “Carlos Scliar,: pintor, desenhista, gravurista, colagem sobre papel, Bandeira do Japão, P.L. 9/19 assinado ano 1999. 32 cm alt. x 24 cm largura. OBS.: bom para investimento ou colecionador”.

Na sua pinacoteca, em meio a telas de outros artistas de renome como Sansão Pereira (1919-2014) e Virgílio Dias (1956), ele mantém outra preciosidade do ilustrador gaúcho que escolheu Cabo Frio para viver no começo da década de 1960 e aqui ficou até a sua morte, em 2001: um desenho de Iara, uma antiga empregada, amamentando o filho. Por falta de pessoas que disponham a pagar o valor pedido por Ronaldo, as peças compradas de um pintor de Cabo Frio há cerca de cinco anos continuam a adornar o local, junto a outras raridades, como uma tela concretista do pintor ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (1896-1988), expoente da segunda fase do Modernismo brasileiro, esta adquirida na Feira de Antiguidades da Passagem. 

Ao todo, são mais de cinco mil itens que fazem do lugar uma espécie de pequeno museu no bairro da periferia de Cabo Frio. Além das telas, o acervo conta com peças de porcelana; jogos de jantar ingleses, franceses e de outras procedências; estátuas de cerâmica e de terracota; tapetes persas; relógios antigos, e outros itens, como uma imponente cristaleira dos anos 1960, amealhados em mais de 30 anos de atividade com artigos de arte. ‘Seu’ Ronaldo valoriza cada um dos objetos do antiquário, relíquias também feitas por mãos hábeis e anônimas, mas não menos belas. A aparentemente improvável ligação do técnico de plataforma com o universo dos leilõese galerias começou no começo da década de 1990, em São Paulo, onde morava na época, quando ainda dividia a atenção com a atividade em alto mar.

Dispensado de um projeto, aplicou as economias em mais de 90 quadros de nu artístico comprados do amigo pintor Walter Saraiva, para revendê-los em conhecidas feiras de antiguidade paulistanas, como a que funciona até hoje na Praça Benedito Calixto, no Bixiga e no MASP. Ele conta que, em seguida, atuou como ‘marchand’ (intermediário) para um leiloeiro argentino. Tudo ia bem, mas o rentável mercado no estado vizinho foi deixado de lado, em 1995, quando a irmã o chamou para morar em Cabo Frio. A saudade da praia fez o carioca radicado na Paulicéia não pensar duas vezes.

– Eu fiquei doido, um frio danado. Eu estava bem lá, mas larguei tudo, pensando que em Cabo Frio eu iria à praia todo dia. Ilusão, não vou nada. Lá em tinha tudo: carro, casa. Hoje eu tenho minha casa e essa loja. Eu trouxe um monte de quadros de nu, o Saraiva ainda era vivo. Comecei a expor e conheci muitos artistas aqui, como Reinaldo Caó, Oliveira Celso e Maria Bandeira. Comecei a trabalhar com eles na Praça Porto Rocha – disse, relembrando dos primeiros tempos na região. 

A experiência obtida ao longo dos anos, aliado ao estudo de História da Arte, fez ‘seu’ Ronaldo conhecer os atalhos do mercado de compra e venda e também a se prevenir quanto a possíveis espertalhões e falsários que lhe queiram passar a perna. Também aprendeu a trabalhar a paciência, dada a incerteza do mercado de objetos de arte. O dono do antiquário comenta que pode fazer uma grande venda, de milhares de reais, de uma só vez e passar semanas sem que uma única peça seja vendida na loja. De todo modo, a renda da aposentadoria e de um imóvel de veraneio alugado não deixam que ele passe qualquer aperto financeiro.

Com peças cujos valores variam de R$ 15 a R$ 3 mil, o antiquário tem clientes fixos de Cabo Frio, Búzios, Rio de Janeiro, São Paulo e de outras cidades, além de também atrair olhares e visitas de curiosos. Recentemente, ‘seu’ Ronaldo vendeu uma tela do pintor Carybé (1911-1997) para o cantor Lulu Santos, em visita por Cabo Frio para um show. 

Divorciado e pai de um casal de filhos que ele diz não ligar para o seu ofício, ‘seu’ Ronaldo mantém o negócio, com alma e paixão de colecionador. Sozinho, embora em busca de um ajudante, por causa das limitações impostas pelo próprio tempo, as mesmas que o impedem de continuar o antigo ofício de restaurador de móveis de grande porte, hoje restrito a pequenos bancos e cadeiras que não o obriguem a trabalhar em posição desconfortável. Diante do que viveu no comércio de arte, o velho dono de antiquário conclui ser ele próprio uma raridade em meio a tantas outras que ele compra e vende.

– Sabe como eu compro muita coisa? As pessoas param de carro e dizem que a mãe o pai morreu, o avô morreu, e quer se desfazer disso. É assim que compro. É muita gente, não é pouca não. Isso só tem valor para gente. Sou um apaixonado pela arte – finaliza.