São mais de 6 mil edições impressas. Nelas, estão capítulos significantes da história da região. Em comemoração aos seus 35 anos, a Folha dos Lagos republica artigos e reportagens que fazem parte do acervo de edições antigas.
Publicado originalmente em 23 de janeiro de 1999 no suplemento cultural Caderno | O nome não consta em nenhum dicionário da língua portuguesa, mas ela garante que “Cabofrianças” significa “coisas de cabo-friense”. Essas “coisas” – causos e fatos da cidade – estarão, em breve, reunidas num livro que Meri Damaceno está finalizando. O livro, segundo a autora, é uma pesquisa de fatos corriqueiros e causos acontecidos nos últimos 100 anos e que Meri espera lançar no mês do folclore: agosto.
“Cabofrianças” é também um documento fotográfico sobre Cabo Frio de 1915 até a década de 50. As fotos são todas do arquivo pessoal de Meri e assinadas pelos três principais fotógrafos do estado: Wolney, Picarelli e Malta. Uma delas revela, por exemplo, que a escola Ismar Gomes, na época Clube Avenida, possuía dois andares. O prédio que era sede do clube foi vendido para o governo do estado, na época de Francisco Sá, que instalou a escola no térreo e mandou demolir o segundo andar.
Meri Damaceno conta que o livro é uma homenagem a Octacílio Ferreira, pesquisador e fundador do movimento de escoteiros de Cabo Frio. Tudo começou com uma pesquisa que Meri e Octacílio iniciaram – em abril de 91 – tendo como base os documentos antigos da Câmara. “Nesse contato com ele, Octacílio sempre parava as pesquisas e começava a contar causos da cidade. Ele ficava muito melancólico e lamentava que essas histórias se perderiam com o tempo e me pediu para gravar todas elas para mais tarde reunir num livro”, recorda Meri, lembrando que seis meses depois Octacílio foi vencido por um câncer.
A morte de Octacílio abalou Meri, que revela não ter conseguido esquecer o último pedido do amigo. Mas o trabalho só começou três anos depois.
Entre os causos que fazem do livro Cabofrianças está o do delegado Juca Macedo, que no início do século (1912) proibiu o jogo de bola de gude na cidade. O delegado, segundo revelaram as pesquisas de Meri, era altamente autoritário. Uma de suas práticas era expulsar a chicotadas as pessoas que não se comportavam bem na cidade. Também costumava caçar, literalmente, os foragidos ou aqueles que descumpriam suas ordens. Meri diz que, na época, com medo do delegado, essas pessoas se escondiam na restinga de Massambaba, e ele, em seu cavalo, costumava trazê-las no laço, arrastadas até a cadeia pública que funcionava na antiga Rua Direita, atual Érico Coelho, no prédio que era ocupado pelo antigo Banerj.
O padre Nunes é outro personagem polêmico do livro Cabofrianças. Português, morreu nos anos 40. Era perseguido pelos maçons porque tinha um discurso contra a entidade. Simpatizante do Partido Conservador (Liras), costumava escrever no jornal O Industrial, onde deixava clara a sua posição político-partidária na cidade. As peripécias do padre acabaram custando caro para o representante da Igreja Católica em Cabo Frio. Certa vez, foi surrado em plena Praça Porto Rocha pelos maçons. Mesmo assim, não abandonou sua posição político-religiosa.
Um fantasma que teve duas costelas e um braço quebrado
A pesquisa reúne mais de 100 causos mas, de acordo com Meri, os mais recentes não deverão integrar a obra. São mais de 20 horas de fitas gravadas com pessoas que têm idade entre 70 e 95 anos. Os causos são curiosos, divertidos e, de acordo com a autora, “informativos”, e revelam “a identidade do cabo-friense que está se perdendo”, diz ela. Entre eles está o do “fantasma” que levou uma tijolada e acabou no hospital com um braço e duas costelas quebradas.
Meri conta que um “fantasma” aterrorizava as pessoas que passavam sob um limoeiro próximo à Barra de Cabo Frio, na casa de Dona Maria Salles, esposa de Mário Salles, uma das mais importantes figuras da cidade. O local começou a ser evitado até pelos pescadores que, com medo do “fantasma”, só passavam por ali em grupo.
— Aaaaahhhh, eu morri!!!
Os três pescadores saíram em disparada, deixando os peixes pelo caminho, enquanto João de Ampinho, que vinha mais atrás, se armou com um tijolo maciço e acertou uma tijolada no “fantasma”, que gritou:
— Aaaaiiiiii! Me mataram! — enquanto deixava o limoeiro em disparada.
No dia seguinte, curioso em desvendar o mistério do fantasma do limoeiro, João de Ampinho decidiu procurá-lo no Hospital Santa Izabel. E encontrou, na enfermaria, imobilizado, Frosco — o fantasma cabo-friense — que confessou ao autor da tijolada que usava do artifício para namorar a empregada de Dona Maria Salles.
Cabofrianças traz também outro causo curioso, um dos mais antigos do livro, segundo Meri. O relato narra a história de Nenê Póvoas, que, num baile à luz de lampião, encontrou a amante dançando com outro. Inconformado e sem poder reclamar, voltou em casa, encheu uma lata de banha de água, fez cocô dentro, quebrou um galho de pitangueira, fez a mistura e voltou para o baile. Lá, salgou a água com cocô em todo mundo que estava no salão, inclusive na amante. O fedor acabou com a festa. Foi a forma que Nenê encontrou de impedir que a amante o traísse com outro.