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Coluna

Sofisma da composição

04 dezembro 2022 - 10h28

Por volta do século V (a.C.), sábios e filósofos, chamados de “sofistas”, exerciam a função de professores e instrutores itinerantes, percorrendo as cidades da Grécia ensinando filosofia, música, matemática e retórica aos jovens e privilegiados cidadãos da sociedade ateniense. Esse ensino consistia em preparar os jovens para a defesa de opiniões e seus pontos de vista. Como eles eram conhecidos pela arte de convencimento, não era difícil introduzir junto aos seus alunos a ideia de que suas teses e opiniões eram melhores, mesmo que isso contrariasse a lógica e a razão. Para o exercício dessas atividades cobravam dinheiro dos seus alunos, fato que mereceu de Sócrates (470 a.C. – 399 a.C.) sérias críticas à atuação dos sofistas, pois este defendia que o ensino deveria ser livre, e o conhecimento, acessível a todos, o que, aliás, o levou a proferir uma frase que se perpetuou através dos séculos: “Só sei que nada sei”. Nessa citação ele se posicionava como professor, que sabia, e ao mesmo tempo como aluno, que precisava aprender.

Essa linha de pensamento defendida e ensinada pelos sofistas se transformou numa tese cujo enunciado pode ser definido como: “argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, apresentando uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa”. Como um dos focos do ensino dos sofistas era a retórica, os alunos preparados por eles tinham real habilidade para proferir discursos inflamados, que transformavam em “verdades” fatos de duvidosa comprovação. Nos tempos atuais não precisaríamos procurar muito para encontrar pessoas com esses “talentos”, principalmente no meio político. Não é sem razão que se diz que “política é a arte de enganar”. Mas, por mais paradoxal que possa ser, o prefixo “sof” vem da palavra sophia, cujo significado é “sabedoria”.

Não somente na área política nos deparamos com sofismas, cuja definição mudou bastante ao longo dos séculos, uma vez que atualmente tem o significado de um pensamento ou retórica indutiva ao erro, bem diferente de como era praticada na Grécia antiga, quando o termo era utilizado no sentido de “transmissão de sabedoria”.  No ambiente econômico é onde mais essa linha filosófica se reproduz com grande intensidade, tanto que se criou um termo denominado “sofisma da composição”, que de forma simples pode ser definida como: “Nem sempre o que é bom e correto para algumas pessoas é o melhor para a sociedade”.

Alguém, por exemplo, acredita que banqueiro dá alguma coisa para seus clientes? Quando um banco comercial oferece qualquer vantagem para seus correntistas, pode ter certeza de que tem alguma coisa mais vantajosa vindo por trás, boa para o banco. O custo para a sociedade do lucro das grandes empresas é impressionante – ou, por que não dizer, decepcionante para os consumidores. Os acionistas de uma empresa siderúrgica ficam muito satisfeitos com os dividendos auferidos ao final de um exercício, mas os danos ambientais provocados pela atividade são incalculáveis para outros milhões de cidadãos, afetando sua saúde física e financeira. O que falar das madeireiras que cortam as árvores das florestas, pelando a capa protetora da terra, cuja consequência é o aumento da temperatura global, repercutindo no bem-estar da população?

Joseph Schumpeter (1883 – 1950), economista e cientista político austríaco, criou o termo “destruição criativa”, que se define como sendo o mecanismo em que novos produtos destroem empresas e modelos de negócios antigos como força motriz do crescimento econômico. Não há dúvida de que as inovações tecnológicas dão mais agilidade ao processo produtivo nas empresas, reduzem custos e aumentam o lucro, beneficiando empresários. Mas em contrapartida lançam milhões de pessoas no ambiente do desemprego. Produtos químicos incorporados ao processo de produção de alimentos geram mais produtividade e lucros para os empreendedores, porém provocam efeitos danosos à saúde dos consumidores. Na área farmacêutica, dificilmente encontraremos um medicamento alopático que não traga efeitos colaterais. É só ler a bula. Acho que é por isso que são tão complexas de se ler, e praticamente ninguém as lê.

Prevalece no mundo moderno a “arte de enganar” sob uma capa de legalidade, que, de tão verossímil, nos acostumamos e aceitamos com naturalidade tudo que nos é apresentado. Fico com a citação de Protágoras (490 a.C. – 415 a.C.), filósofo sofista grego, que disse: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”.

Clésio Guimarães