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Coluna

Bootleg

09 março 2023 - 19h34

Durante a vigência da lei seca nos Estados Unidos, no período de 17 de janeiro de 1920 a 5 de dezembro de 1933, os usuários de bebidas alcoólicas utilizavam-se de todos os subterfúgios para fugir da fiscalização e transportar o produto. Um desses recursos era esconder as garrafas nas botas de cano alto, que eram utilizadas com frequência pela maioria dos homens. Daí surgiu o termo “bootleg”, formado pelas palavras boot (bota) e leg (perna), que significa, no contexto, “pirata”, “contrabando”, “ilícito”. A lei seca implantada naquela época era diferente da que hoje vige no Brasil, pois previa abstinência absoluta, sem qualquer tolerância. O objetivo era salvar o país dos problemas relacionados à pobreza e à violência. Para isso foi feita a 18ª emenda à Constituição, “proibindo a fabricação, comercialização, transporte, exportação ou importação de quaisquer bebidas alcoólicas”. Só que em lugar de acabar com a violência, provocou mais, fazendo surgir máfias que atuavam com o contrabando de bebidas entre outras ilicitudes, tendo como um dos principais mafiosos o lendário Al Capone. Fato que inspirou o filme “Os Intocáveis”, com Robert de Niro, Kevin Costner, Sean Connery e Andy Garcia, além de dezenas de livros e outros filmes explorando o tema.      
Atualmente o termo “bootleg” é utilizado para caracterizar as gravações ilícitas de um espetáculo teatral, apresentação musical e outros eventos. É ilícito, porque não há autorização para a utilização em qualquer tipo de mídia, sendo, na maioria das vezes, editadas e comercializadas para apresentação em canais na internet, divulgadas por mensagens de WhatsApp e outras formas de utilização. A prática é antiga, vem desde o formato dos discos “log plays” de armazenamento de músicas, passando pelas fitas cassetes, CDs, disquetes e DVDs, chegando aos dias atuais de forma mais sofisticada em razão da tecnologia disponível. Claro, não mais sendo escondidas em botas, mas o termo se ampliou, contemplando múltiplas formas de pirataria e usurpação de direitos.
Os primeiros ilícitos, apesar de não tipificados, perpetrados através da usurpação de direitos autorais, vieram a acorrer somente no final do século XVI com transcrições não autorizadas de peças de William Shakespeare (1564 – 1616), poeta, ator e dramaturgo inglês. Naquela época não havia proteção ao patrimônio autoral, o que aconteceu somente com a Convenção de Berna, em 1886. Estranhamente, os Estados Unidos, hoje paladinos da defesa dos direitos, não assinaram o documento, o que veio a acontecer somente tempos mais tarde.
A composição, musicalização e interpretação de músicas enseja recebimento de direitos autorais, por consequência, sendo fato gerador de impostos, que acabam muitas vezes não sendo pagos. Apesar da intensa fiscalização oficial, a comprovação do crime é difícil, pois normalmente envolve particulares que comercializam com particulares. No Brasil, a fiscalização e arrecadação de direitos sobre a área musical é feita pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), respaldado pela lei n.º 9610/1998. No exercício de 2021, foram arrecadados e distribuídos 901 milhões de reais em direitos, contemplando 267 mil compositores, músicos e conexos. Esses valores são cobrados de todos os divulgadores que disponibilizam músicas em espaços públicos, como rádios, emissoras de televisão, restaurantes, lojas, shoppings centers, shows, teatros, arenas, etc. Interessante observar que essa arrecadação vem caindo ano a ano, em razão das novas formas de divulgação e apresentação de músicas, o que aumenta o espaço para a prática do “bootleg” moderno.
Outra área contemplada pela ilegalidade do “bootleg” é a de software, quando são copiados e distribuídos programas sem autorização dos proprietários ou sem ter direitos legais adquiridos. A fiscalização no Brasil é feita pela Associação Brasileira de Software (ABES), que ao constatar a utilização ilegal do programa, pode impor multas de até 3 mil vezes o valor da licença. Como as utilizações dos softwares são, na sua maioria, feitas por pessoas físicas ou pequenas empresas, abrangendo milhares de usuários e milhões de equipamentos, ficam muito difíceis sua autuação.
Entretanto o grande lance dos espertalhões é piratear filmes que acabaram de ser produzidos. A prática consiste em se antecipar ao lançamento do filme e comercializar as cópias piratas no mercado paralelo. Isso tem acontecido com frequência, frustrando os produtores, que veem o fator expectativa desaparecer. Nos últimos anos aconteceu com os filmes Mercenários 3, Zombieland, Super 8, Star War 3, 007: Sem tempo para morrer, entre outros. 
Da forma como a tecnologia tem evoluído, daqui a pouco vão encontrar uma forma de fazer bootleg de nossos pensamentos. E aí, salve-se quem puder.