BURACO FINANCEIRO

Possível fim do Fundeb em 2021 faz municípios da região temerem colapso na Educação

Adiamento da renovação do Fundo foi proposta de última hora pelo Governo Federal

20 JUL 2020 • POR Rodrigo Branco • 21h24
Apenas Cabo Frio, que há meses vive às voltas com atrasos nos pagamentos de salários aos professores, recebeu R$ 59,2 milhões de repasses, nos seis primeiros meses do ano - Reprodução

A proposta do Governo Federal de adiar para 2022 a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) caiu sobre uma bomba sobre estados e municípios que dependem quase que exclusivamente do recurso para financiar suas redes de ensino. Como o Fundeb nos atuais termos será extinto esse ano, o financiamento da Educação Básica para o ano que vem ficaria incerto, o que fez secretários e educadores da região ouvidos pela Folha temerem um colapso no setor.

Apenas no primeiro semestre deste ano, de acordo com levantamento feito pela Folha dos Lagos, os sete municípios da região, somados, receberam repasses de R$ 178,5 milhões referentes ao Fundeb. Apenas Cabo Frio, que há meses vive às voltas com atrasos nos pagamentos de salários aos professores, recebeu R$ 59,2 milhões de repasses, nos seis primeiros meses do ano. O valor foi usado integralmente para o pagamento da folha salarial. A incerteza de contar com o recurso é motivo de preocupação para o secretário de Educação cabofriense, Ian Carvalho.

– O Fundeb é a principal fonte de recursos da educação básica brasileira. A indefinição sobre os repasses da verba para o próximo ano gera muita angústia para as gestões municipais e entidades ligadas à Educação. Assim como Cabo Frio, muitas cidades utilizam o fundo, em sua totalidade, para pagamento dos servidores. A ausência desse recurso vai sobrecarregar as finanças e inviabilizar o pagamento da folha. Toda essa questão somada às consequências da pandemia do coronavírus pode causar uma calamidade, não apenas na educação, obviamente, mas em todo o sistema econômico dos municípios e estados – afirmou.

No mesmo tom que o colega, a secretária de Educação de Arraial do Cabo, Luciana Corrêa, pede a aprovação do texto original, sem as emendas propostas pelo Governo Federal. A educadora criticou a tentativa de intervenção de última hora do Executivo.

– Para evitar um colapso nas redes públicas de educação básica, é urgente garantir a votação e aprovação do atual texto do Fundeb, de maneira a preservar e ampliar os recursos para a educação pública, rejeitando propostas que atendam a outros interesses. O texto da relatora Dorinha Seabra deve ser votado na íntegra, pois foi construído depois de centenas de audiências, num processo democrático. Congresso, movimentos e entidades da sociedade civil estiveram debruçados em prol da PEC 15/15. O governo federal não participou desses debates e tenta desconstruir um trabalho minunciosamente analisado, num completo atropelo da valorização da Educação básica, na intenção de bancar parte de outros projetos em 2022, acabar com a vinculação mínima de 70% dos recursos do fundo para o pagamento dos profissionais da educação em valor máximo e, tornar 2021 sem fundo, na justificativa de ser melhor discutido. Será um retrocesso no país – disparou.

A contraproposta do governo foi feita de última hora, como alternativa à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 15/15, que eleva a complementação do Governo Federal de 10% para 20% até 2026. O texto da relatora da PEC, deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), foi lido nesta segunda-feira (20) e a discussão sobre o tema será retomada nesta terça (21).

 Além do adiamento para 2022, o Governo Federal propôs o uso de parte dos recursos para programas assistenciais e o financiamento de creches. A ideia não é bem vista pelo secretário de Educação de São Pedro da Aldeia, Alessandro Teixeira. Ele afirma que o município precisa colocar R$ 8 milhões de recursos próprios, além de todos os recursos transferidos pela União que, no primeiro semestre, foram da ordem de R$ 23,7 milhões.

– O recurso do Fundeb nunca foi e nunca deveria ser pensado como recurso para política assistencial do Governo Federal, do Governo Estadual e do Governo Municipal. É um recurso voltado para políticas educacionais. Acrescentar a possibilidade de utilizar recurso exclusivo da Educação para a Assistência Social demostra, primeiro, o descompromisso do governo com a Assistência Social, que é um trabalho diferente, um trabalho em diferentes setores do atendimento ao cidadão, a Educação é um caminho à parte. A gente espera como esta PEC seja aprovada sem as emendas do Governo Federal – declarou.

Críticas à dependência exclusiva do recurso

Se pelo lado dos municípios, a incerteza causa temor, os servidores da Educação acompanham os debates em Brasília com tensão, atentos a cada detalhe. Para a coordenadora-geral do sindicato da categoria em Cabo Frio, Arraial e Búzios (Sepe Lagos), Cíntia Machado, o adiamento do Fundeb para 2022 pode representar o ‘fim da escola pública’.

– É preocupante porque tem o atraso de salários e a falta de reajuste de Cabo Frio; em Arraial, tem a lei de reserva que é negada por falta de recurso, segundo o município, em Búzios, o governo nega a progressão. No estado, já são quase dez anos sem reajuste. Se tendo Fundeb, os servidores já sofrem com isso, sem ele, vai piorar muito, a situação vai ficar catastrófica, porque muitos municípios não terão como manter suas escolas e o pagamento dos professores em dia. E o achatamento salarial vai acabar afastando os profissionais do serviço público – prevê.

Para o professor e historiador Paulo Roberto Araújo, a vulnerabilidade em relação ao Fundeb atinge em cheio a Educação Básica que, para ele, é o maior gargalo do ensino no Brasil. Para o acadêmico, o Fundo é tão ou mais importante quanto os recursos liberados pela pesquisa pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, mas ele critica a dependência exclusiva do recurso criada pelos municípios ao longo dos anos.

– Diminuir ou contingenciar os gastos do Fundeb é fazer um desconto contra o futuro. Isso tem um impacto serio a longo prazo, na formação de capital humano, todo mundo sabe disso. Mas esse governo está tentando cobrir um santo e descobrir o outro. Mas também tem outro lado, quer dizer, a culpa não é apenas do governo federal. Os municípios ficaram viciados no Fundeb, quer dizer, eles estão pagando até professor com o dinheiro do Fundeb. Professor tem de ser pago com o dinheiro das receitas do município, e não com repasse. Isso significa que os municípios não estão investindo em Educação Básica, salvo algumas exceções. Existem municípios que estão fazendo muita coisa com os recursos que recebem do Fundeb, outros se afundam em corrupção e incompetência. Em geral, os municípios daqui da Região dos Lagos poderiam ter feito muito melhor com os recursos do Fundeb – conclui.