Opinião

Quem manda?

Secretaria de Saúde obriga retorno ao trabalho de servidores que fazem parte do grupo de risco; afinal, vale a ordem do prefeito ou a do secretário?

13 ABR 2020 • POR Rodrigo Cabral • 22h53

Duas faces se revelam no prefeito de Cabo Frio, Adriano Moreno, durante este período de confinamento em decorrência da pandemia de Covid-19: a da sensatez e a da irresponsabilidade. A da sensatez por pedir, acertadamente, que os moradores permaneçam em casa como prevenção ao novo coronavírus, cujos efeitos são conhecidos por quem ousou desafiá-lo. E a irresponsabilidade por se omitir enquanto a secretaria de Saúde obriga que todos os funcionários que fazem parte do grupo de risco para o coronavírus voltem ao trabalho. Neste momento, essas pessoas, assim como seus familiares, vivem momentos de extrema apreensão. 

A medida, justificou à Folha dos Lagos o secretário Iranildo Campos, foi tomada para evitar que funcionários “se aproveitem da situação para pedir dispensa”.  Contraria, porém, determinação do prefeito, do dia 17, para que todos os órgãos da Prefeitura liberassem do trabalho servidores que são portadores de doenças crônicas e autoimunes, mediante apresentação do atestado, e funcionários com 60 anos ou mais, à exceção de médicos e enfermeiros. 

Ora, assim como a palavra de um desembargador sobrepõe a do juiz de primeira instância, a ordem do presidente da República é soberana diante da vontade de um ministro e a orientação do Papa é superior a de bispos da Igreja Católica, há de se questionar se lógica semelhante vale para o Executivo cabofriense. Afinal, quem manda: o secretário ou o prefeito? Há entre eles subordinação? 

A rigidez máxima imposta na pasta pode ser comparada à força aplicada por um carpinteiro na execução de seu trabalho: se decidir ser extremamente bravio e aplicar marteladas da mesma intensidade em todos os pregos, aqueles mais frágeis e menores serão penalizados. A metáfora traz uma obviedade que deveria ser levada em conta na administração pública. É preciso ter sensibilidade para administrar, para resolver e solucionar dilemas intrincados. Sobretudo, quando estamos lidando com pessoas, gente de carne e osso, e não com pregos.

Inúmeras foram as mensagens recebidas pela Folha após a publicação de duas reportagens que trouxeram o caso à tona.  O desespero está em cada uma delas.  É o caso da mãe de uma servidora idosa, lotada como auxiliar de serviços gerais na secretaria de Saúde, que escreveu ao jornal na manhã desta segunda-feira (13): “O idoso já faz parte do grupo de alto risco. A própria idade o coloca nesta situação, independente de comorbidades. Mas, mesmo assim, está sendo exigido atestado do SUS para a dispensa do serviço. Agora eu pergunto: onde se consegue consulta pelo SUS em plena pandemia? Indo à UPA, expondo mais ainda o idoso? Que eu saiba, médico de UPA não dá atestado assim”. Ela continua: “Tanto o prefeito quanto o secretário conhecem as carências e dificuldades que o paciente dependente de SUS encontra para conseguir consulta. Essa exigência, descabida, é uma forma de obrigar o idoso a trabalhar e se expor, pois, sem conseguir o atestado, ele não vai ter para onde correr”.

Adriano Moreno, o prefeito, precisa dar uma resposta a estas pessoas. Sindicatos já estão mobilizados, e a Câmara vai debater o assunto. Em São Paulo, a Justiça determinou que o Hospital das Clínicas e o Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público (Iamspe) afastem funcionários que estão em grupo de risco para a Covid-19 e permitam que trabalhem de casa, após ação movida pelo Sindicato dos Servidores de Saúde daquele estado. Adriano, um médico, vai esperar que o caso chegue a este ponto em Cabo Frio?