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João Gordo, que tocará com os Ratos de Porão em Cabo Frio, fala sobre música e política em entrevista

"Século sinistro, irmão"

22 NOV 2018 • POR • 10h40

RODRIGO CABRAL

João Gordo para de falar por três segundos. Depois do silêncio, conclui em tom de lamento:

– Século sinistro, irmão... – diz, em alusão ao último disco dos Ratos de Porão, lançado em 2014, enquanto a entrevista de 17 minutos concedida por telefone e a esta coluna chega à reta final.

O desabafo do vocalista desta icônica banda de 37 anos de estrada, que toca em Cabo Frio no dia primeiro de dezembro, no evento Rockeiro é Sangue Bom, no Clube Santa Helena, é o eco de suas opiniões – quase sempre entrecortadas de um ou outro palavrão – sobre política nacional.
– Esse cara [Jair Bolsonaro] pode não sair nunca mais. Pode enfiar a democracia no c*.

É, no entanto, ele revela, um momento propício para escrever novas letras. Só que ainda não há qualquer previsão para um novo disco. Concreto mesmo é um grande projeto para comemorar os 40 anos da banda. O que é? Bem, isso ainda prefere guardar a sete chaves. 

Folha – Como foram as passagens com a banda por Cabo Frio?

João Gordo – Não me recordo muito bem. Eu estava sempre bêbado, cara. Nem de show eu lembro direto. Entrei numa fase de sobriedade. Tô bem diferente agora.

Folha – Como é o show que vão trazer para cá?

João Gordo – Nem fazemos setlist porque temos o show decorado. É o mesmo show que fizemos no Japão e na Europa. Tocamos uma ou duas músicas do último disco [Século Sinistro]. De resto, são aquelas que o pessoal gosta. Em uma hora dá para tocar vinte músicas. Por aí.

Folha – Como foi a turnê que vocês fizeram recentemente na Ásia?

João Gordo – Tocamos em alguns lugares bem exóticos: Vietnã, Singapura, Malásia, Taiwan... Mas o grande barato foi tocar em Tóquio. Deu sold out [todos os ingressos vendidos]. O pessoal lá é fanático. Foi muito louco.

Folha – Como você vê a renovação na cena do rock hoje?

João Gordo – Ao mesmo tempo em que a divulgação está mais fácil, as pessoas estão perdendo interesse. A banda tem que ser muito boa para chamar atenção. E a molecada prefere outro tipo de som. Um som mais bunda mole. Tá bem sinistro o bagulho.

Folha – É um ciclo?

João Gordo – Sim. Vai piorar um pouco. E, depois que chegarmos no fundo do poço, as coisas vão começar a melhorar.

Folha – Então, ainda não estamos no fundo do poço, musicalmente?

João Gordo – Não. Vai ficar medonho ainda. Começou agora a ficar cabuloso, tá ligado? Mas acho que, depois da tempestade, vem a bonança.

Folha– O que você tem ouvido?

João Gordo – Faço o programa de rádio Tiki Nervioso junto com o Marinho [ex-baixista da banda Pavilhão 9], que também vai ao ar na internet. Então, ouço muito anos 50, 60... Faço coleção desse tipo de disco. Coisa retrô. Coisa bizarra, tipo chá-chá-chá do Japão. E adoro música antiga e psicodélica. Além disso, estou no grindcore, que é um som extremo. São dois extremos que curto.

Folha – Tivemos eleições recentemente. Como você vê a vitória de Jair Bolsonaro e, em São Paulo, de João Dória?

João Gordo – Em São Paulo, foi um tiro no pé. E a eleição para presidente, um tiro na cabeça.

Folha – O que falaria para um fã que idolatra o Bolsonaro?

João Gordo – Meu, essa pessoa não entendeu a mensagem dos Ratos de Porão. Ouviu a música e nunca entendeu a letra. É isso.

Folha – Ao que credita essa falta de entendimento?

João Gordo – É um momento único de doutrinação, de falta de informação. As pessoas acham que vai ter alguém que vai salvar a pátria. Vamos ver no que vai dar. Você vê que ele já está colocando uns ministros muito doidos. Disse que é anticorrpução, mas não é tanto assim, não.

Folha – Como definiria o novo presidente?

João Gordo – Um fascistão.

Folha – O próximo século vai ser mais sinistro ainda?

João Gordo – Eu não sei se tenho mais dez anos de vida. Posso morrer amanhã. Tenho 54 anos.

Folha – Está novo...

João Gordo – Ah, mas sou obeso, diabético. Saca, meu? Falo tanta merda. Pode chegar um louco desses fanático e me dar um tiro na cara.

Folha – Tem medo disso?

João Gordo – Não tenho nem um pouco de medo disso. Mas tudo pode acontecer. Com liberação de arma... Vai saber? Tenho medo de porra nenhuma.
[Pausa]. Século sinistro, meu irmão.

Folha – Acredita que a música fica mais contestadora a partir de agora?

João Gordo – Quanto mais repressão tiver, mais contestadora será. Isso é natural. O compositor, quando está na deprê, faz belas músicas, verdadeiras obras de arte. Alegre e contente, entrevistaescreve umas merdas.

Folha – Isso vale para você?

João Gordo – “Beber Até Morrer”, um puta clássico, fiz bêbado, na casa de uma amiga, numa época que estava sem onde morar. Quando acordei, a letra estava pronta num papel.

Folha – Mas agora, pessoalmente, você está num momento melhor. Dá para sair música nova daí?

João Gordo – O momento que o país está passando é produtivo para escrever. Mas nossos discos demoram muito para sair. Tenho projeto para os 40 anos dos Ratos de Porão. Mas não é disco novo, não. É uma coisa bem louca que vou fazer aí.

Folha – Pode falar o que é?

João Gordo – Por enquanto, não. Segredo.