Maria Joaquina: um bairro órfão em todos os sentidos
Insatisfeitos com a volta do bairro a Cabo Frio, moradores reclamam de antigos problemas
ALEXANDRE FILHO
Numa rua de terra, como a maioria das que cortam Maria Joaquina, o professor Anderson Afonso, 35 anos, diagnostica bate-pronto à reportagem da Folha a situação peculiar na qual se encontra o bairro atualmente.
– Eu vejo que Maria Joaquina parece ser um filho rico, mas órfão de pai e mãe, que fica pulando de família em família e não tem identidade própria.
É que, recentemente, Maria Joaquina voltou a fazer parte de Cabo Frio, depois que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) cancelou os efeitos de lei estadual que anexava o bairro à Búzios. A decisão, que alonga a disputa entre os dois municípios, não agradou grande parte dos moradores do bairro, que em sua maioria reclamam que os diversos problemas são fruto de abandono por parte da Prefeitura de Cabo Frio, que o administrou sozinha nos últimos 22 anos.
A questão não é tão simples, mas levanta discussões entre os moradores. Bianca de Araújo, de 30 anos, comenta que o ideal seria que o bairro ficasse em posse de quem de fato se responsabilizasse por ele. “Não adianta pertencer a uma cidade A ou B e continuar tendo os mesmos problemas”, ela disse.
Mesmo com uma suposta “riqueza”, o chão de terra batida, a falta de iluminação nos postes e a insegurança de dia e principalmente de noite são suficientes para atestar que o bairro carece de estrutura, levando seus moradores a passarem por dificuldades diariamente. Muito além disso, por estar em uma área limítrofe entre dois municípios, os cerca de 13 mil habitantes do bairro lidam com problemas ainda maiores.
O serralheiro Julimar Antônio Soares, de 42 anos, morador dali há 25 anos, não gostou de ver mais uma vez o bairro dentro dos limites de Cabo Frio. Ele relata as dificuldades em conseguir ter acesso à saúde, exatamente por conta da indefinição causada pela localização do bairro e da falta de serviços de qualidade, que conta apenas com um posto de saúde.
– Nós temos muita dificuldade de ter acesso à saúde, porque o posto do bairro só tem um médico, e no posto de saúde de Búzios nós não conseguimos ser atendidos. Para ser atendido em Cabo Frio é muito longe. Se fôssemos parte de Búzios, creio que seria bem mais fácil – disse.
Residente há 15 anos em Maria Joaquina, Luciana Guimaraes, de 35 anos, afirma que em todos esses anos não viu “nenhuma mudança significativa para melhor” no bairro, apenas o aumento da população. Mãe de uma menina, ela destaca a educação, entre tantos problemas, como um dos mais fundamentais a serem resolvidos.
– A escola do bairro (E.M. Justiniano de Souza) só atende alunos até o 5º ano, depois disso os alunos têm que buscar escolas longe daqui para conseguir estudar, independente se for em Cabo Frio ou em Búzios. E atualmente, se for em Búzios, ainda tem o problema da burocracia, que muita vezes é mais difícil conseguir vaga e matricular as crianças por morarmos em um bairro de Cabo Frio – explicou.
Além de todos esses problemas, o desemprego também é citado como um dos grandes problemas a serem solucionados no bairro. Sem contar o período do verão, quando muitos conseguem empregos temporários, principalmente em Búzios, pelo resto do ano boa parte dos moradores fica sem uma ocupação. A ambulante Suely Silva, de 52 anos, conta como essa questão tem afetado o comércio local.
– Muitas pessoas estão desempregadas por aqui, e isso é muito ruim, porque dessa forma as pessoas não têm dinheiro para nada, para se deslocar, comprar remédios, nada. O comércio aqui vai devagar, quase parando, muito por conta disso, porque essa questão também nos afeta, pois as pessoas não têm grana para gastar na rua. Vira uma bola de neve – declarou.
Com tantas reclamações em relação às últimas administrações de Cabo Frio, e o sentimento de pertencimento à Búzios, até mesmo pela proximidade com o município – o bairro fica a 6km do Centro de Búzios, e a 22km de Centro de Cabo Frio –, o resultado da recente eleição foi praticamente ignorado, e poucos foram os moradores que deixaram um recado ao prefeito Adriano Moreno. O ambulante Carlos Roberto, de 53 anos, foi uma das exceções, e disse o que espera do novo prefeito da cidade.
– Tantos prefeitos venceram as eleições e nunca vieram aqui. Eu espero que esse que venceu, além de vir aqui, faça alguma coisa pelo bairro. Melhore principalmente a estrutura da nossa região, que é muito precária – disse.
Associação de Moradores é a favor da anexação à Búzios
Luiz Fábio, presidente da associação de moradores, deixou claro que é totalmente a favor da revisão das divisas do bairro e consequente anexação à Búzios. Segundo ele, que mora no local há mais de 20 anos, não se trata de ser um simples desejo da população, e sim uma questão de sobrevivência.
– Se não fosse o município de Búzios durante todos esses anos servindo de válvula de escape para nós, essa população já teria sucumbido há muito anos. E hoje temos que ficar submetidos á essa situação de indefinição social dos nossos moradores.
Ainda segundo ele, após a última decisão, a associação já começou a fazer um abaixo-assinado entre os moradores para que o bairro se torne parte de Búzios, e já entrou em contato com o prefeito de Búzios, André Granado, para falar sobre a questão.
Autor do projeto de lei nº 2.538/2013, que anexava Maria Joaquina ao município buziano, o deputado Paulo Ramos (sem partido) afirmou que mesmo após a recente derrota nos tribunais irá buscar um acordo entre ambas as prefeituras para que o bairro finalmente se torne parte de Búzios.
– Tivemos um obstáculo e, passado o período eleitoral, vamos agora tentar um acordo entre os dois prefeitos das cidades e buscar um entendimento – disse.
Bairro representa cerca de 15% do valor dos royalties de Cabo Frio
O cabo de guerra entre os dois municípios por Maria Joaquina é antigo, e é fundamentado principalmente no valor que o bairro tem no repasse dos royalties do petróleo que as cidades recebem mensalmente. Quem ficar com a área, fica com os royalties. Por conta disso ambas as prefeituras não abrem mão de ter Maria Joaquina anexada em seu território.
Apesar de ser um bairro de periferia, muitas vezes até esquecido e com a estrutura bastante precária, Maria Joaquina é situada em uma posição privilegiada no mapa, e tem a presença dos principais poços de petróleo da região, o que a torna importante dentro deste panorama do jogo do dinheiro.
De acordo com o Secretário de Fazenda de Cabo Frio, Clésio Guimarães, não existe uma forma de medir de maneira exata os valores que a cidade perderia sem Maria Joaquina anexada em seu território, por conta das variáveis nas quais esses valores são baseados. Porém, a estimativa citada por ele é vultosa e significativa para o município.
– Não dá para medir ao certo, porque depende dos poços e da localização deles, mas Maria Joaquina representa algo em torno de 15% do valor do repasse dos royalties de Cabo Frio – disse ele.