Bruno

Bruno Rinaldi: '‘Há confusão entre público e privado’

Promotor do MP afirma que nepotismo na Comsercaf pode resultar em ação de improbidadeações

27 ABR 2017 • POR Texto e foto: Rodrigo Branco • 06h46

Desde março à frente da 2ª Promotoria de Tutela Coletiva, o promotor Bruno Rinaldi Botelho abriu guerra contra o nepotismo na administração municipal. Após recomendar o afastamen­to da primeira-dama, Ingrid Kamylla, os alvos agora são o presidente da Comsercaf, Cláu­dio Moreira, e a coordenadora da Melhor Idade, Hilda Morei­ra. Os dois são pais do vereador Guilherme Moreira (PPS). Em entrevista à Folha, o promotor comenta que a questão política não influi no trabalho e que a prática de nomear parentes pode resultar em ação de improbidade.

Folha dos Lagos – Por que a nomeação do presidente da Comsercaf se configura como nepotismo cruzado? O que significa isso?

Bruno Rinaldi – Observa­mos nepotismo quando, por exemplo, encontramos um pa­rente de vereador ocupando um cargo no executivo. Ou um pa­rente de juiz que ocupa cargo no legislativo. Isso vale para qual­quer um dos três poderes. Quan­do há essa transposição de po­deres, configura-se nepotismo cruzado. Foi o que verificamos e foi expedida a recomendação.

Folha – Isso é por conta do filho dele ser um vereador da base do governo?

Rinaldi – A atuação do Mi­nistério Publico não vê partido, lado ou aliança. O que nós ve­mos é a legalidade e se os prin­cípios constitucionais, morais, da eficiência, estão sendo res­peitados. Então não faz diferen­ça se é da base ou não. Mas cla­ro que isso chama a atenção. E, justamente quando o candidato que era apoiado no Executivo toma posse, ocorrem as nomeações. Seria muita coincidência. É claro que isso é visto, mas a atuação seria exatamente a mes­ma se fosse no outro sentido.

Folha – Trata-se de uma re­comendação, mas o que pode acontecer caso o município não a siga?

Rinaldi – Existem duas me­didas que, à partida, são possí­veis. De início, como isso confi­gura o descumprimento de uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. É possível se cogitar o ajuizamento de uma reclamação junto ao STF, se­melhante ao que aconteceu no Rio de Janeiro, referente ao fi­lho do Crivella. Existe, também, a possibilidade de uma ação civil pública por improbidade administrativa. Isso é uma consequência possível, pois seria o descumprimento de uma viola­ção dos princípíos da impessoa­lidade e da moralidade, previstos em Constituição. Agora, não há como adentrar ainda acerca dos desdobramentos disso. Isso será avaliado conforme o inquérito se desenvolva.

Folha – Na opinião do se­nhor, por que esta é uma práti­ca tão comum?

Rinaldi – Isso é no Brasil in­teiro. Na minha opinião, existe uma confusão entre o espaço público e o espaço privado de gestão. No espaço privado, todo mundo tem autonomia absolu­ta para gerir sua casa, família, amizades. No espaço público, não, pois ele é regido por regras e estas regras impõem a obser­vância a alguns limites. E isso é um limite que existe: a nomea­ção de parentes. Um limite que o STF traçou e que muito se diz que não seria exigido para pre­feitos, o que não é a verdade ab­soluta. O que o STF exige é que cada caso seja ponderado. Caso a caso. E a partir daí se faz aná­lise.

Folha – E a questão dos títu­los para ocupar o cargo?

Rinaldi – Isso é avaliado, justamente na linha da jurispru­dência do STF. Nós usamos isso como diretriz. Analisamos caso a caso e vemos se a nomeação é exclusivamente para atender in­teresse pessoal ou se tem funda­mento. Imagine alguém que tem uma especialização, pós-douto­rado etc... Algo assim seria jus­tificado. Imagine que a pessoa já ocupou cargos de gestão, co­ordenadorias, destaque no setor privado e não tenha relação com o poder público, obviamente, para não ter confusão financei­ra. Essa é a análise que se faz na titulação.

Folha – Não é esse o caso em questão?

Rinaldi – No caso, no meu entender, não foi justificado pe­los documentos apresentados. Pelas razões que constam no do­cumento divulgado pelo Minis­tério Público.

Folha – Esse não é o primei­ro caso que acontece nesta ges­tão. Em entrevista, o prefeito Marquinho Mendes disse que a mulher era capaz de assumir o cargo e que a legislação é dú­bia. O que acha disso?

Rinaldi – Não tem muito o que falar porque, no caso, ele atendeu à recomendação do MP. O inquérito foi arquivado, ele acatou o pedido. Quanto à ob­servação, o que interessa ao Mi­nistério Público é o que foi feito, não o que foi falado. Opinião é direito constitucional dele.

Folha – Qual o balanço dos primeiros 50 dias de trabalho na Promotoria?

Rinaldi – É bastante traba­lho, mas isso é normal de toda Promotoria Coletiva. São desa­fios e estamos aqui para cumpri-los. É uma contribuição que eu sempre espero dar para as cida­des. Existem desafios, sim, mas existe muita vontade de se fazer a coisa melhorar.

Folha – Como está a análi­se dos contratos do período de emergência na Comsercaf?

Rinaldi – Esse inquérito foi instaurado por mim, mas foi remetido ao Grupo de Atuação Especializada em Corrupção (Gaec). Está tramitando lá. En­tão, não tenho como falar so­bre isso.

Folha – O senhor permane­ce na promotoria apenas até ju­nho. Por que tão pouco tempo?

Rinaldi – Isso é normal. O titular da promotoria está afas­tado, está na administração. En­tão, para não ficar mês a mês, como alguns promotores aca­bam ficando, fui designado para ficar quatro meses, período de designação temporária.