Promotora Luciana Pereira: Decisão do Ensino Médio será do município
Ela defende aplicação da lei, mas afirma estadualização do Ensino Médio ou não cabe à Prefeitura
Há quase cinco meses à frente da Promotoria da Infância e Juventude de Cabo Frio, a promotora Luciana Nascimento Pereira tem o desafio de ajudar a mediar o imbróglio envolvendo a Prefeitura e a comunidade das escolas que estão ameaçadas de ver o Ensino Médio transferido para o Estado.
Em entrevista exclusiva à Folha, a promotora defende a obediência à Constituição que delega ao município apenas a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, mas deixa claro que a decisão cabe à Prefeitura, dependendo da condição financeira apresentada. Ela admitiu ainda que o Ministério Público foi procurado pela nova gestão.
– Com a mudança na gestão municipal, a postura do município foi de que o Ministério Público novamente se posicionasse sobre o tema – diz.
Folha dos Lagos – Uma recomendação do Ministério Público sobre a transferência do Ensino Médio significa obrigatoriedade?
Luciana Nascimento – Uma recomendação significa que o MP está contando para aquela pessoa que está recebendo a recomendação que ela está cometendo uma irregularidade, uma ilegalidade, algo que precisa ser corrigido. O poder de recomendação do MP está previsto na nossa Lei Orgânica, na legislação federal do MP e no Estatuto da Criança e do Adolescente e tem, na verdade, o objetivo de buscar a melhoria nos serviços públicos em geral.
Folha – No caso específico da recomendação feita à Prefeitura de Cabo Frio, a desobediência pode acarretar o quê?
Luciana – A legislação veda expressamente que o município ofereça qualquer nível de ensino fora daquilo que é a sua prioridade enquanto não atingir plenamente aquilo que se insere na sua prioridade. Como consequência disso, a lei estabelece a possibilidade de crime de responsabilidade e isso também pode configurar um ato de improbidade, dependendo das circunstâncias.
Folha – Hoje é grave a situação no ensino da rede estadual, com turmas sendo fechadas, universidades em estado caótico. Qual o entendimento do MP em relação a isso, uma vez que recomendou a transferência do Ensino Médio?
Luciana – Até mesmo em termos econômicos, Cabo Frio recebe recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino (FNDE) para custear o Ensino Fundamental e a Educação Infantil. O Ensino Médio ele precisa custear com recursos próprios que deixa de aplicar em outras áreas que também são fundamentais. Nós sabemos que o Estado do Rio está sofrendo uma crise gravíssima, mas o país como um todo está em crise. Nós entendemos que um erro não justifica outro erro e que a gente consegue melhorar o nosso país na medida em que passa a agir de acordo com as leis. Então a nossa postura é recomendar ao município que foque os recursos e a sua atuação no Ensino Fundamental e na Educação Infantil e buscar o apoio da comunidade escolar para lutarmos pela melhoria do Ensino Médio conforme, aliás, estamos fazendo desde que chegamos aqui. Fizemos outras reuniões por conta da reestruturação do Ensino Médio, já que algumas unidade do Estado fecharam turmas. Já estivemos no Rio para tratar desse assunto, mas um erro não justifica o outro. Se mantivermos essa situação, vamos estar contribuindo para que o município deixe de investir naquilo que ele precisa investir. Nível esse que não pode ser cobrado do Estado, que melhore as escolas de Ensino Fundamental que precisam melhorar sua estrutura, a sua acessibilidade. Não podemos cobrar do Estado a construção de creches e quantos cidadãos e cidadãs cabofrienses não podem trabalhar porque não têm onde deixar seus filhos. A nossa postura é de adotar aquilo que foi democraticamente definido na Constituição Federal.
Folha – A Prefeitura chegou a alegar a falta de recursos e a pedir para o MP intervir na questão?
Luciana – A posição do município que foi passada oficialmente no ano passado é de que seria acatada a recomendação. Essa é a posição oficial até agora. Com a mudança na gestão municipal, a postura do município foi de que o Ministério Público novamente se posicionasse sobre o tema porque a primeira recomendação data de dezembro de 2015 e que ele iria acatar a recomendação. E, na verdade, não se trata de não ter recursos é de não atender. O município não atende plenamente a sua demanda de Ensino Fundamental e de Educação Infantil. E ele só poderia oferecer Ensino Médio se ele atendesse plenamente a essa demanda. Essa é a previsão legal. E a postura do município até então foi de acatar a recomendação.
Folha – O município já apresentou dados que comprovem que realmente não tem condições de manter o Ensino Médio?
Luciana – Eles apresentaram dados com relação aos valores para a manutenção do Ensino Médio atualmente. Mas a decisão de oferecer ou não é do município. O município não tem que oferecer o Ensino Médio, ele pode oferecer desde que atenda plenamente a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.
Folha – A mobilização das comunidades escolares do Rui Barbosa e das demais unidades envolvidas está sendo muito grande. Elas serão ouvidas no processo?
Luciana – Esse inquérito civil já tramita há quase dois anos. Já houve reuniões amplas, inclusive, com outros colegas que me antecederam. Como eu disse, é uma decisão do município. Nós estamos à disposição para irmos a qualquer lugar esclarecer qual a postura do MP que, na verdade, tem como função defender a ordem jurídica, mas vamos aguardar que o município se posicione. Até então, a postura é de acatar. Se ele acatar, isso vai ser feito de maneira progressiva para evitar danos maiores aos alunos envolvidos. E vamos continuar em tratativas com a Secretaria Estadual de Educação para ir absorvendo gradativamente esses alunos e buscar também que esses recursos que podem deixar de ser investidos no Ensino Médio passem a ser direcionados para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.