Entrevista Jandira Feghali: 'argumento é mentiroso'
Deputada diz que déficit apregoado pelo Governo é farsa e crê que Câmara barre Reforma da Previdência
Uma das maiores opositoras à Reforma da Previdência pretendida pelo Governo Federal é a deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ). Única mulher a compor a Comissão Especial que trata do tema, Jandira está otimista que a proposta não vai passar, pelo menos com o texto original, pelo Congresso, sobretudo pela fragilidade política do núcleo de poder do presidente Michel Temer (PMDB) e pela adesão à paralisação nacional realizada ontem em todo o país.
Em entrevista à Folha, a deputada afirma que as mudanças nas regras da aposentadoria seriam especialmente cruéis com trabalhadores rurais e mulheres, que já possuem sobrecarga de trabalho, levando-se em conta as tarefas domésticas. Jandira disse ainda que é ‘mentiroso’ o argumento de que a Previdência está falida.
– Para tentar justificar o injustificável, o Executivo afirma que a Previdência tem um déficit de R$ 86 bilhões. Essa conta, no entanto, leva em consideração somente contribuições dos trabalhadores e empresas. O regime previdenciário no Brasil é tripartite. A contribuição do governo é uma obrigação. Somente poderíamos falar de déficit se fosse necessário cobrir mais de 33% das despesas. Em 2015, essa conta ficou muito menor, foi de 18%. A previdência não tem déficit, esse governo é que pretende desviar esses recursos para outros fins – alega.
Folha – A senhora diz que o argumento de que a Previdência é deficitária é falso? Por que?
Jandira – O argumento do déficit é mentiroso. Todo mundo sabe que a Previdência é superavitária. O argumento do déficit é usado para gerar o terrorismo: “Oh, sem a reforma quebra o país”. Não é verdade. O problema da Previdência não é a Previdência, o problema da Previdência é a economia. É gerar emprego, é superar a sonegação de R$ 456 bilhões à Previdência, é acabar com essa desoneração, é cobrar Dívida Ativa. Não é a regra da Previdência que é o problema.
Folha – A senhora é a única mulher na Comissão que debate a Reforma. O que essa mudança afetaria diretamente as mulheres?
Jandira – Quando iguala a idade de homens e mulheres é pior ainda porque 90% do trabalho doméstico é feito por elas. Nós temos uma jornada de trabalho maior, um salário menor e uma precarização dos direitos trabalhistas muito maior.
Folha – Após a divulgação da lista do procurador-geral Rodrigo Janot, que envolve cinco ministros, o governo Temer reúne condições políticas para levar essa reforma adiante?
Jandira – Nem condição política, nem condição ética, nem legitimidade para propor mudanças constitucionais no Brasil e o pacto que ele não tem condições de fazer. É um governo sem nenhuma credibilidade. Diria que a cara da República está muito feia, quando a gente vê Alexandre de Moraes no Supremo; ele no Planalto; e uma parcela desse Congresso, que além do envolvimento com problemas éticos também não tem nenhum compromisso com a sociedade brasileira.
Folha – O presidente da Comissão Especial é o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) é aliado de primeira hora do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, hoje preso...
Jandira – Tenho brincado que o Parlamento faz mal à saúde. Está difícil de vivenciar diariamente os discursos e o tipo de atuação de boa parte desse Congresso. Mas a gente está aqui para defender o que acredita e o povo brasileiro naquilo que a gente acha que é correto.
Folha – As manifestações desta quarta podem ter algum efeito prático para barrar a Reforma?
Jandira – Hoje (ontem) foi um marco histórico como o dia 8 de março também foi e está aumentando muito a mobilização para dentro da base dos deputados. Eles estão para as cidades onde os deputados são votados para fazer a divulgação e cobrar a posição do deputado sobre a Reforma da Previdência. Esse movimento e essa pressão vão ajudar muito. Essa Reforma já não passa como está hoje. Tem divisão na base do governo. Eles não têm maioria pra passar, precisam de 308 votos. Eles podem fazer algumas mudanças periféricas, mas não resolve o problema. Nós temos que derrotar a proposta. Ela não pode ir adiante porque ela é absolutamente desumana e prejudicial às mulheres e aos trabalhadores de baixa renda.
O que muda nas regras de aposentadoria com a Reforma da Previdência:
Idade Mínima para aposentadoria
Hoje: mulheres – 55 anos; homens – 60 anos
Com as mudanças: homens e mulheres – 65 anos
Anos de contribuição
Hoje: mínimo de 15 anos
Com as mudanças: mínimo de 25 anos
Ao completarem contribuição, quanto receberão
Hoje: 100% do salário
Com as mudanças: 100% do salário apenas com 49 anos de contribuição; abaixo disso, 73%
Salário-maternidade para agricultora familiar
Hoje: 10 meses de comprovação antes da gravidez
Com as mudanças: 12 meses de comprovação antes da gravidez
Auxílio-doença
Hoje: 10 meses de comprovação antes do ocorrido
Com as mudanças: 12 meses de comprovação antes do ocorrido
Trabalhadores rurais
Hoje: Idade mínima de 55 anos para as mulheres e de 60 anos para os homens; mínimo de 15 anos de trabalho no campo
Com as mudanças: Passam a contribuir para o INSS, sob as mesmas regras do regime geral