empreendedorismo

Casal de Cabo Frio sai do zero e se torna pioneiro no mercado de quilhas

Modo de fabricação é pioneiro no Brasil

11 JUL 2014 • POR Rodrigo Branco • 13h30

Alma é uma palavra que deriva do latim “anima” e significa “sopro, ar; alento, o princípio da vida; a alma, por oposição ao corpo”, segundo o Dicionário Houaiss. Mudanças de direção, como as do vento que influenciam a maré, e reviravoltas não faltaram na trajetória do casal Agnes e Douglas Aguiar, ambos de 27 anos, e sua empresa Alma Quilhas, fundada em 2008. Uma história genuinamente brasileira, em todos os seus ingredientes: garra, dificuldades, persistência. E quando tudo parecia perdido; esperança e sucesso.

Apesar da estreita ligação com o esporte – ela sempre praticou canoa havaiana, enquanto o rapaz é surfista amador – nada indicava que a paixão pelo mar se transformaria em um bem sucedido negócio. Pelo contrário. Por pouco, nem na Região dos Lagos estariam hoje.

Formada em História pela UFF, Agnes atuou como pesquisadora na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, Zona Norte do Rio. A realidade muitas vezes caótica e violenta da metrópole incomodava o casal, criado em Cabo Frio e que desejava  uma rotina mais pacata e, sobretudo, próxima à natureza. Um assalto sofrido por ela ajudou a precipitar a decisão.

– Chegou um momento que tive que escolher: ou continuava na área de pesquisa ou voltava para Cabo Frio. Morar no Rio não dava mais. Toda vez que volto lá passo mal. Não faz parte da nossa filosofia de vida – argumentou, citando o pai de Douglas, o experiente surfista Joca Marola, 61 (“ele dá couro em muito garotinho”, diverte-se).

A volta à cidade, contudo, foi muito diferente do esperado. Com campo restrito de atuação tanto em pesquisa como no magistério, a historiadora acumulou empregos, enquanto Douglas trabalhava na Marinha – um mês embarcado e outro, em terra firme – e a produção de quilhas, para amigos e parentes, ainda era vista apenas como um hobby partilhado com o amigo Lucas Rodrigues. Ela chegou a trabalhar em lojas de roupas, vender sanduíches na praia e ajudar o pai, representante comercial do ramo madeireiro, experiência que seria determinante para o êxito da empresa.

No ano passado, a volta a Niterói parecia inevitável. A mudança já estava sendo providenciada, quando aconteceu uma intervenção, digamos, celestial.

– Já tínhamos visto uma escola de canoa havaiana e uma possível casa para morar. Voltando para Cabo Frio, conversava com o Douglas no carro quando dormi. Não sei se foi anjo da guarda, mas quando acordei, comentei com ele: para ter os gastos que teremos lá, melhor ficar em Cabo Frio, onde o aluguel é mais barato – contou.

Assim foi feito. A intenção era tornar a Alma Quilhas viável como negócio. O capital inicial e o terreno para a oficina foram garantidas pela mãe de Agnes, enquanto Fernando Nascimento, da ONG Cieds,deu o conselho que mudaria a história da marca: entrar para o Programa Shell Iniciativa Empreendedora. A habilidade com a escrita, obtida no mundo acadêmico, foi preponderante para associar o universo do surfe com projetos na área de petróleo e gás, aparentemente inconciliáveis, mas, inesperadamente próximos, pois todos os insumos usados na fábrica são derivados do combustível fóssil. Aprovada, dividiu-se por meses entre Cabo Frio e Macaé, local do curso.

– Foi muito bom, pois o que eu tinha de bagagem trabalhando com meu pai foi acrescido com o que aprendi lá. Também criei uma rede grande de contatos. No projeto, comecei a entender porque a Alma Quilhas podia dar certo – conta.Única fábrica do Brasil a produzir quilhas inteiramente feitas de fibra de vidro – no mundo, as outras são a Rainbow Fins, da Califórnia, e Island Fin Design, do Havaí, ambas dos Estados Unidos – a Alma teve que aprender a lidar com seu pioneirismo e a falta de referências e, principalmente, concorrência. No processo de  desenvolvimento, muitas parcerias têm sido importantes, na opinião de Douglas.

– Meu pai, Joca, ajudou com o maquinário inicial, quando não tínhamos nada. Mas devemos muito também ao Telmo Moraes, do Museu do Surfe; ao seu filho, o surfista de longboard Caio Teixeira e o atleta de stand up paddle de Arraial do Cabo, Américo Pinheiro, que testam e dão opinião sobre o produto – diz, devidamente vestido com o equipamento de proteção individual, outra preocupação dos microempresários.

O momento de boom no esporte, por conta do fenômeno Gabriel Medina é visto com bons olhos pelo casal, afinal, segundo estimativas, o mercado do surfe movimenta em torno de R$ 45 bilhões de reais por ano, em todo o mundo. Oportunidade de ouro para expansão e aumento dos lucros. No entanto, embora essencial, a parte comercial está no mesmo patamar do idealismo do jovem casal. Agnes define o comportamento romântico com propriedade.

– O nome da empresa não representa apenas a paixão pelo esporte, mas também a vontade de viver exclusivamente do surfe – afirma, complementada pelo marido:

–Amo ficar cheio de poeira e  com a roupa suja de resina. Ouvir o barulho da máquina. Isso tudo é o que na verdade faz a gente ser feliz com o nosso trabalho – conclui, mostrando que o empreendedorismo está mesmo na alma.