Minc aciona Alerj e exige punição para descarte de lixo na Fazenda Campos Novos
Ex-ministro avalia descarte em área tombada como reincidência grave, e cobra multa e obrigação de reparo ambiental à Prefeitura de Cabo Frio
O recente flagrante de caminhões da Comsercaf despejando lixo na área da Fazenda Campos Novos, em Cabo Frio, reacendeu o debate sobre a fiscalização ambiental e a gestão de resíduos na Região dos Lagos. Em conversa com a Folha esta semana, o deputado estadual e ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc (PSB), classificou o episódio como “muito grave”.
Presidente da Comissão do Cumpra-se, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Minc afirmou ao jornal que acionará a Prefeitura de Cabo Frio, e também o Inea, para exigir não apenas a multa, mas também a "obrigação de reparar o meio ambiente". Segundo ele, a legislação de proteção ao patrimônio só funciona com fiscalização e punição.
Em entrevista à Folha (antecipada na última edição impressa do jornal), Minc também detalhou as falhas que persistem no cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, e criticou as sucessivas prorrogações para o fim dos lixões no país. O parlamentar abordou, ainda, o alto custo da destinação final do lixo, a necessidade de contratar cooperativas de catadores e a importância da mobilização da sociedade civil para preservar os avanços ambientais conquistados na Região dos Lagos, como a despoluição da Lagoa de Araruama.
Folha - Como você avalia a gravidade do despejo de lixo em uma área tombada como a Fazenda Campos Novos?
Minc - Avalio como muito grave o despejo de lixo uma área tombada, como a Fazenda Campos Novos, que tem importância para a região. E depois é reincidência. Isso é muito ruim, contamina o meio ambiente e é um péssimo exemplo.
Folha - Que medidas concretas a Assembleia Legislativa (Alerj) e as comissões das quais participa podem tomar para pressionar a imediata remoção do lixo e a recuperação da área degradada?
Minc - Nós vamos acionar a Prefeitura de Cabo Frio, vamos acionar o Inea, porque o Inea, antes, já tinha dito que eles não podiam fazer isso. Mas tem que ser com luta, forte, porque senão você acaba sendo pouco incisivo, não põe uma medida punitiva, e se estimula a impunidade, a reincidência, a poluição. E a comissão do Cumpra-se, que eu presido, vai sim exigir medidas fortes. Inclusive, quem fez a poluição, além da multa é obrigado a reparar o meio ambiente.
Folha - O local tem valor histórico e cultural. Acredita que a legislação atual de proteção ao patrimônio está sendo suficiente para evitar esse tipo de dano?
Minc - Veja bem. A gente criou muitos parques na Região dos Lagos. Criamos o Parque Estadual da Costa do Sol, que tem 10 mil hectares e pega seis municípios. Foi o maior esforço de preservação da Região dos Lagos. Graças a isso, ao trabalho de despoluição da Lagoa de Araruama, também, várias praias da região entraram na lista da Bandeira Azul. São esforços de anos e anos em saneamento, parques, dragagem da lagoa, operação defeso… e essas coisas têm que ter continuidade. Nada do que você faz dizendo só que tem valor histórico e cultural resolve. Se não tiver guarda parque, fiscalização, multa, obrigação de reparar vai ficar só no papel, e no papel não funciona.
Folha - Você acha que o caso da Fazenda Campos Novos é um reflexo de uma falha mais ampla na Política Nacional de Resíduos Sólidos e no encerramento dos lixões no Estado do Rio de Janeiro?
Minc - Eu estava no Ministério do Meio Ambiente quando a gente conseguiu aprovar a lei dos resíduos sólidos em 2010. Ela estava tramitando há 15 anos. Eu fui cinco vezes na Câmara, falei com os líderes, e finalmente o Lula assinou. Essa lei dava um prazo para acabar com o lixão, então isso já foi, por pressão das prefeituras, prorrogado duas vezes e já querem prorrogar mais uma. Aqui no Rio de Janeiro, quando estivemos na Secretaria de Meio Ambiente, a gente conseguiu acabar com a maior parte dos lixões do estado. O Rio chegou a ser um dos piores estados, tinha cerca de 85% do lixo em lixão, e 15% em aterro. Eu tive uma gestão que começou em 2007, depois saí em 2008 pro Ministério mas ficou minha equipe. Aí depois eu voltei e pegamos contínuo de 2011 a 2013: entramos em janeiro de 2007 e saímos em janeiro de 2014. Ao fim desse período, o Rio já tinha 85% do lixo em aterro sanitário e 15% em lixão. Como a gente fez isso? Licenciou aterros públicos e privados, e aterros consorciados, onde vários municípios fazem parte, porque às vezes um município é muito pequeno e um aterro é inviável porque a tonelada sai muito cara. O lixão é “barato” pro prefeito porque ele joga o lixo e passa o trator. Mas é caro pra sociedade porque contamina o lençol freático, contamina a lagoa, a paia, o catador, os animais… Agora tem que ter um aterro, o aterro tem que estar impermeabilizado, tem que tratar o chorume e captar o metano, que é o gás produzido pelo lixo e que aquece 80 vezes mais do que o CO2. Isso é caro, custa R$ 60, R$ 80 a tonelada. Por isso é importante a coleta seletiva e apoiar as cooperativas de catadores. Então, não é que a lei é falha. Depois eu fiz leis estaduais sobre a economia circular com logística reversa, fiz leis de apoio às cooperativas de catadores, e as prefeituras têm que contratar catadores. Isso ajuda na coleta seletiva, e a prefeitura vai ter um ganho porque aumenta o tempo de vida útil do aterro sanitário e diminui o gasto mensal da prefeitura, porque ela joga menos lixo no aterro, e os catadores recolhem e reciclam a parte boa do lixo. O lixo é matéria prima fora do lugar. Então, pela lei, as prefeituras têm que contratar catadores. Quantas prefeituras do Rio contratam cooperativas? Três.
Folha - Na sua opinião, o que falta para garantir um destino final adequado para o lixo?
Minc - O destino adequado é o aterro sanitário. Mas alguns espertinhos, algumas empresas, alguns shoppings, ao invés de pagar para colocar o lixo em um local adequado, em um destino sustentável, preferem vazar em um vazadouro clandestino, ou em uma fazenda se ela está mal cuidada, ainda que seja histórica. Então, isso não é que não exista aterro, não é que ele não seja obrigado a usar, é uma atitude criminosa. A pessoa joga lixo em lugar errado não é porque ela não sabe que é errado, é porque ela não quer pagar para colocar no lugar correto.
Folha - Você é autor de projetos de lei relacionados à coleta seletiva e inclusão de catadores. De que forma a ampliação da coleta seletiva pode ser a principal solução para evitar casos como o da Fazenda Campos Novos?
Minc - A coleta seletiva começa com educação ambiental. A gente tem que perguntar: “município, você faz educação ambiental? As escolas tratam disso?”. E não é só no quadro, é levar as crianças para ver como funciona uma cooperativa, pra ver um lixão, pra ver como é um aterro funcionando bem, ainda que seja em outro município vizinho. Depois tem que equipar essas cooperativas. Eu conheço todas as cooperativas. São centenas aqui no estado. A maioria não tem um veículo, não tem um bom galpão, não tem material de compactação, não tem instrumentos de segurança. Os resíduos, muitas vezes, são cortantes, e as pessoas têm que se proteger. Quando você separa o lixo em casa, e leva pra uma cooperativa, você ajuda o meio ambiente e a essas pessoas que vão ter um emprego, uma renda, e vão levar seu lixo de volta para a produção. Eu criei outras leis. Às vezes a gente consegue fazer cumprir umas, e outras não. Por exemplo, eu criei uma lei que diz que os supermercados têm que bancar Pontos de Entrega Voluntárias (PEVs), as prefeituras também, onde as pessoas, quando acabam de tomar um refrigerante, podem descartar o copo, por exemplo, e isso vai direto pra uma cooperativa ou pra uma empresa de reciclagem.
Folha - Além da multa, que tipo de punição ou responsabilização você defende para gestores públicos que comprovadamente permitam ou ignorem crimes ambientais de descarte irregular, como é esse caso da fazenda, em Cabo Frio?
Minc - Pra quem ignora tem a lei federal de crimes ambientais. Quando eu fui ministro, em 2008, a gente fez um decreto que regulamentou a lei de crimes ambientais, e o presidente Lula sancionou na época. E aqui (na Alerj) nós fizemos uma lei estadual de infrações administrativas, que transforma todos os crimes da lei federal em infrações administrativas com multas de até R$ 50 milhões. A questão é que os órgãos ambientais do estado e do municípios, têm que cumprir a lei e aplicar essas multas pesadas. E além da multa o poluidor é obrigado a reconstituir o meio agredido: tem que limpar, se tinha vegetação tem que replantar, tem que pagar pra fazer isso... Então são duas coisas diferentes. Além da multa, com a punição administrativa o gestor pode ser exonerado, independente de outras sanções. Por exemplo: não poder participar de uma concorrência pública.
Folha - Como mobilizar e envolver mais a sociedade civil e os ambientalistas da Região dos Lagos para se tornarem parceiros ativos na denúncia e na vigilância contra crimes ambientais?*
Minc - Eu tenho uma experiência. Para aprovar a criação do Parque Estadual da Costa do Sol a gente teve que discutir com os pescadores, com ambientalistas, com os hoteleiros, os prefeitos… Discutimos compensações como a dragagem da lagoa de Araruama, a contratação de guarda parques, o apoio ao saneamento. Alguns hoteleiros não queriam o parque porque conheciam alguém que tinha comprado o terreno em uma encosta. Quando começamos com a operação defeso pro peixe e pro camarão da lagoa de Araruama aumentar de tamanho, alguns pescadores não queriam. Mas aí convencemos, e quem não queria cumprir o defeso tinha o barco retirado. E aí conseguimos aumentar o tamanho do peixe e do camarão. E no fim das contas todo mundo ficou contente porque a pousada reabriu, o pescador vendeu mais, a empresa de transporte voltou a funcionar de forma mais ampla, criamos empregos verdes… Sempre vai haver restrições, alguns vão atacar, mas no final todos se beneficiam.
Folha - O que mais acha pertinente falar a respeito deste assunto?
Minc - Eu queria saudar o jornal Folha dos Lagos porque é uma tribuna democrática que sempre apoiou o esforço de recuperação da região, do ecoturismo, das boas iniciativas, o que é raro ter um jornal tão preocupado e que abre espaço para as boas iniciativas ambientais. E as pessoas precisam se ligar. Agora a lagoa está muito bem. Eu fiz uma postagem esta semana pegando a matéria do Globo Repórter desta semana que fala sobre a lagoa de Araruama, e eu lembro dessa história toda. Agora tem cavalo marinho, tem uma parte que realmente parece o Caribe. Quando vai para o Globo Repórter todo mundo gosta. Mas e o trabalho da dragagem, de ampliar o canal do Itajuru para ampliar a circulação de água, fazer estação de tratamento, aí todo mundo torce o nariz, mas quando a água está boa pra mergulhar todo mundo gosta.