Opinião

Jornalismo de volta aos fundamentos | Artigo | Por Daniel Paes

14 OUT 2025 • POR Redação • 10h07

Há algum tempo, o jornalista César Valente publicou artigo denominado “Afinal, o que é mesmo que um/a jornalista faz pra viver?”. Neste texto importante, que pode ser facilmente encontrado na rede, o autor nos leva a uma importante discussão acerca do que diferencia um jornalista de um produtor de conteúdo, no contexto de ampliação exponencial da possibilidade de compartilhamento de informação. Fingimos não ver o problema. Mas ele está tão presente quanto o vento leste em setembro.

Creio que a especificidade do jornalismo, ou seja, o que temos de próprio, está mais ligada ao passado do que ao futuro. Ao longo do último século vivemos a era da comunicação de massas, com seus grandes veículos de imprensa e um público em expansão. Vivemos a era das mídias, com a popularização dos aparelhos de comunicação (rádios, telefones, televisões, gravadores, câmeras fotográficas), o que tornou cada cidadão um potencial comunicador. Mas esse processo ganhou, no século XXI, o que denominamos de cibercultura, ou seja, a completa possibilidade de produção, compartilhamento e consumo de informação a partir de aparelhos pessoais, como os smartphones, no contexto da internet. “Hoje todos somos jornalistas”, alguém poderia dizer.

Entretanto, quando confrontado com essa afirmação, geralmente respondo que, há séculos, uma grande parte da população era analfabeta. Hoje, esse índice é muito pequeno, mas não temos mais tantos poetas. A quantidade não traz necessariamente a qualidade. O que vemos na nossa região e por todo o mundo é uma reprodução de informações sem originalidade, reempacotamento de notícias, queda dos jornais tradicionais e notícias “caça-cliques”. Muito pouco de novo. Muito pouco jornalismo que constrange os fora da lei. Pouca coragem e uma busca insana por mais acesso. A todo custo.

Neste contexto, precisamos nos perguntar o que se perdeu neste caminho? Os fundamentos, diria eu. E o principal fundamento esquecido é a entrevista. A relação entre o contador de histórias e seus personagens, o olho no olho, a apuração verdadeira ainda é o coração do fazer jornalístico. Uma notícia sem apuração, sem entrevista com os personagens (quem participou diretamente do fato) e com os especialistas (quem estuda o assunto retratado) não é nada mais do que o miojo da informação. Não nutre, não sustenta. Apenas engana a fome de informação. Há muito a ser feito e, para ler os caminhos do futuro, faz-se necessário acessar e reler nosso passado. Neste contexto, o trabalho do jornalista Carlos Henrique Silva dos Santos, denominado “Folha dos Lagos: a permanência do jornal impresso na era da convergência midiática”, é uma excelente revisão crítica da imprensa local que aponta para a necessidade da inventividade.

O jornalista hoje deve saber, por experiência e vivência, como encontrar os furos da colcha social e apontar para a própria sociedade essas falhas. Na universidade, temos o dever de ensinar, pesquisar e manter o comprometimento com a comunidade na qual estamos inseridos. Criamos, no ano passado, o Grupo de Estudos em Cultura Popular da Região dos Lagos e, após um ano de pesquisa sobre a atuação da maestrina Susana Cazaux em Cabo Frio e Arraial do Cabo, publicamos artigos em congressos e encontros acadêmicos. Uma primeira lançada de rede ao mar que já traz peixes. O artesanal não ficou no passado. Aponta futuros. Susana é exemplo de como a cultura local é global. Amena Mayall torna-se mais atual a cada dia e Antônio de Gastão segue sendo farol para artistas como Azul Puro Azul e Ivo Vargas.

Cabo Frio é universal e pode ser exemplo de sustentabilidade, de economia criativa e de jornalismo de qualidade. Toda esta pesquisa, que agora aponta para a história da ativista política, cultural e ambiental Amena, está plantada sobre a entrevista. Há muitas grandes pessoas a serem ouvidas e um caminho de rigor e construção à frente. Jornalismo se faz com pesquisa, apuração e diálogo. Não com copia e cola. Com sentimento, mas sem sensacionalismo. Na sala de aula, vejo diariamente jovens ávidos por sair da esfera superficial de “mais do mesmo” para descobrir os tesouros guardados na vida real. Pisamos sobre um solo que pode trazer as senhas para um futuro mais justo, solidário e rico. Resta aos jornalistas o trabalho de contato com o outro, o interesse e a famosa interação: “Olá, tudo bem? Posso conversar um pouco com você?”.

*Daniel Paes é jornalista e cineasta. Coordenador do curso de Jornalismo da Universidade Veiga de Almeida e do Grupo de Pesquisa em Cultura Popular da Região dos Lagos.