Cultura

Ancestralidade, literatura negra e memória quilombola: um debate histórico no IFF Cabo Frio

26 AGO 2025 • POR Redação • 13h11

A literatura negra brasileira ocupou o centro do debate ontem, 25 de agosto, no seminário “Encontro Marcado – Raízes da Literatura Negra Brasileira”, terceiro de uma série de cinco encontros do projeto Bi2u da Art Cult. Realizado em parceria com o Ministério da Cultura, por meio de emenda parlamentar do Deputado Federal Bandeira de Mello, o evento levou ao público reflexões sobre memória, resistência e a importância da ancestralidade na construção cultural do país.

A coordenadora do projeto, June Lessa Freire, destacou que resgatar autores apagados da história e estimular sua leitura é parte essencial da valorização cultural. “Essas obras foram escolhidas porque estão em domínio público e o acesso seria ainda mais facilitado. São tesouros da nossa literatura”, afirmou.

Entre os destaques da programação, estiveram os vídeos de apresentação das obras “Gupeva”, de Maria Firmina dos Reis, e “O Livro Derradeiro”, de Cruz e Souza, que serviram como porta de entrada para discussões sobre racismo estrutural, invisibilidade e o papel da arte como instrumento de transformação social.

Autor de diversos livros publicados pela Sophia Editora, o historiador Luiz Guilherme Scaldaferri Moreira situou Maria Firmina dos Reis — considerada a primeira escritora negra brasileira e a primeira mulher a publicar um romance no país, em 1864 — no contexto do século XIX. Ele lembrou que a autora fundou a primeira escola mista pública do Brasil e denunciou, no livro “Úrsula”, a violência da escravidão e o machismo de seu tempo. Já em “Gupeva”, Firmina fez frente ao indianismo romântico, revelando o impacto destrutivo da colonização. Já a professora Rosana Silva reforçou que o esquecimento de Firmina por mais de um século é exemplo claro do apagamento da contribuição negra na cultura nacional. Ela também destacou a obra de Cruz e Souza, poeta simbolista cuja trajetória foi marcada pelo preconceito e pela falta de reconhecimento em vida.

Vozes do Quilombo

A participação da Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (ACQUILERJ) reforçou a conexão entre literatura e território. Elizabeth Fernandes, diretora de Cultura e Eventos da entidade, lembrou que os quilombos não podem ser confundidos com favelas: “Nosso desafio é a titulação das terras e a preservação de uma cultura ancestral que resiste apesar do abandono histórico do Estado”, reforçou.“Muitas vezes tentam romantizar o quilombo, mas a realidade é dura. Continuamos em áreas isoladas, sem acesso fácil, o que reforça a exclusão”, completou Elizabeth.

Moradores também compartilharam como o seminário contribuiu para o fortalecimento da memória coletiva. “Eu mesma não conhecia a fundo essa literatura negra. Entender mais sobre o livro ‘Úrsula’ foi uma revelação. Maria Firmina usou o romance como um grito de socorro para denunciar a escravidão e o machismo”, avaliou Maria Piedade, do Quilombo de Botafogo. “Saio daqui com vontade de ler mais. Quero conhecer melhor a nossa história”, completou Vanessa, do Quilombo Fazenda Espírito Santo.

Educação e decolonialidade

O seminário também impactou estudantes de Cabo Frio. Maria Luíza, do curso de hospedagem do Instituto Federal Fluminense, destacou a importância do contato com novos referenciais: “Ano passado o Enem tratou da cultura afrodescendente. Este seminário nos dá repertório para a vida e para a prova, mostrando que temos representações negras no Brasil que engrandecem a nossa história”, apontou a jovem.

O ciclo de seminários segue com encontros em Mangaratiba e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde haverá uma feira com produtos de comunidades quilombolas de todo o estado.