Livro registra histórico de resistência do colégio Rui Barbosa, hoje sob novo risco de fechamento
Relatos incluídos em 'Pelas barbas do Babade: as histórias de um lendário professor' ajudam a esclarecer como a instituição de ensino público de Cabo Frio enfrenta ameaças de extinção ao longo de anos
Não é de hoje que o Colégio Municipal Rui Barbosa, em Cabo Frio, vive sob constante ameaça de desaparecer. O debate sobre o fechamento da escola já perturba professores, alunos e ex-alunos há anos — não como hipótese distante, mas como um fantasma que volta e meia surge para assombrá-los.
Essa história não foi registrada apenas nas memórias individuais. Está, também, documentada nas páginas do livro “Pelas barbas do Babade: as histórias de um lendário professor” (Sophia Editora, 2021), que narra a trajetória do professor José Américo Trindade, o Babade, personagem que, por décadas, foi uma das figuras mais reconhecidas, irreverentes e queridas do próprio Rui Barbosa.
No texto de Eloisa Helena de Campos Costa, todo entremeado de relatos, fica evidente como o colégio passa por momentos sob risco de ser fechado. Um risco que, na maior economia da Região dos Lagos, nunca foi apenas burocrático ou orçamentário —é, sobretudo, um embate sobre o papel da educação pública na cidade.
Entre os episódios relembrados na obra, aparece a discussão sobre a retirada do Ensino Médio da rede municipal, sustentadas, nas palavras da autora, no discurso de que esse nível de ensino não seria responsabilidade do município.
Escreve Eloisa, que foi supervisora escolar na unidade: “O Rui Barbosa foi o primeiro colégio de Ensino Médio da rede municipal de Cabo Frio. E, ao longo dos tempos, vem sofrendo ameaças de fechamento ou estadualização por parte de diferentes governos, resistindo a partir de muitas lutas da comunidade escolar. Babade esteve sempre participando diretamente desses movimentos, assim como de tantos outros em que o Rui Barbosa destacou-se como um foco de luta e de resistência”.
O argumento da divisão formal das competências educacionais, porém, desconsiderava as consequências disso para quem vivia o dia a dia da escola. Como pontua Eloisa, o fechamento significaria o desmonte de um espaço de acesso, de pertencimento e de resistência.
Registra-se que, naquele momento, a possível extinção da última etapa da educação básica no Rui Barbosa não se limitava a uma decisão administrativa. Assim como hoje, era vivida como uma violência simbólica contra a comunidade escolar.
Conta Eliane Macedo, ex-aluna do Rui: “A experiência como aluna do Rui Barbosa foi muito libertadora para mim. Passei de uma visão conservadora e tradicional, vinda de uma criação muito rígida e de escolas com metodologias de pouca participação coletiva, para uma educação com um ensino bem mais democrático, de respeito à participação do aluno no processo de construção de sua formação, com uma visão ampla e crítica da vida em sociedade”.
O lendário professor aparece como figura central na criação de uma cultura escolar marcada pelo afeto, pela irreverência e pela insubordinação, no melhor sentido do termo. Em suas aulas, os alunos não aprendiam apenas sobre história: aprendiam sobre como ser, como estar no mundo, como questionar o mundo.
“Até mesmo no movimento estudantil ele foi fundamental”, relata a também ex-aluna Fernanda Carriço em depoimento. “Brigava com a gente. Liberava da aula. Emocionava-se ao ver nossas passeatas e participava de todas elas. Que época linda de recordar! Sim, juntos fomos mais fortes e ele foi peça fundamental nesse processo. Lembro com emoção os três anos que tive Babade como professor de História, porque essa relação aluno-professor mudou minha vida.”
Foi esse espírito que, segundo os relatos, alimentou sucessivas mobilizações da comunidade contra as ameaças. Afinal, como narra Eloisa, o Rui resistiu graças às lutas da comunidade escolar, que se organizava em assembleias, protestos e abaixo-assinados sempre que o fechamento voltava à pauta.
Os depoimentos dão conta, inclusive, de como as ameaças de fechamento impactaram subjetivamente professores e alunos ao longo dos anos. Todas elas pessoas marcadas pela experiência de defender sua própria existência enquanto comunidade escolar.