Ambientes escolares, tradicionalmente vistos como seguros, têm sido palco de episódios cada vez mais violentos. Entre 2011 e 2024, ao menos 17 ataques com vítimas fatais foram registrados no país: mais da metade deles apenas nos últimos cinco anos. Em 2017, em Goiânia (GO), um aluno de 14 anos atirou contra colegas, matando dois estudantes e ferindo outros quatro. Em 2018, em Medianeira (PR), dois adolescentes de 15 anos entraram armados em uma escola (eles estavam com uma garrucha calibre 22, facas e bombas caseiras) ferindo diversos colegas. Em 2019, dois jovens armados invadiram uma escola em Suzano (SP) e mataram cinco estudantes e dois funcionários. Em 2023, uma creche em Blumenau (SC) foi invadida por um homem com uma machadinha, resultando na morte de quatro crianças. 

O caso mais violento dessa triste estatística, no entanto, aconteceu em 2011, na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo (RJ), onde 12 alunos foram mortos. O episódio marcou a carreira do especialista em segurança pública Valci Carvalho, que atuou diretamente no resgate de vítimas. Agora, diante da escalada desses ataques e da ausência de protocolos eficazes de prevenção, Valci (que é morador de São Pedro da Aldeia) se prepara para lançar o livro “Método ESCUDO 360”, pela Editora Appris com o selo Artêra. Com mais de duas décadas de experiência na área, o especialista contou à Folha que a publicação reúne estratégias práticas para prevenir e responder a situações de violência em ambientes escolares.

– A ideia de escrever o livro surgiu em 2021, diante do aumento expressivo de ataques em escolas no Brasil. Foi nesse contexto que percebi, com mais clareza, uma lacuna gravíssima: a ausência de protocolos claros, eficazes e adaptados à nossa realidade. Embora minha experiência com o caso de Realengo, em 2011, já tivesse me marcado profundamente, foi esse cenário recente que acendeu um alerta definitivo. A partir daí, mergulhei em pesquisas, análises e vivências de campo, o que culminou no desenvolvimento do método ESCUDO 360 - explicou.

A publicação, que está em fase final de produção, tem previsão de ser lançada em agosto. Com cerca de 150 páginas, a obra reúne mais de uma década de observações, estudos de casos e experiências práticas, sistematizadas em um método objetivo e aplicável à realidade brasileira.

– O processo de pesquisa envolveu a análise detalhada de todos os casos de ataques com vítimas fatais em escolas brasileiras entre 2011 e 2024. Estudei o perfil dos agressores, suas motivações, o modus operandi, os tipos e origens das armas utilizadas, a existência de planejamento prévio e diversos pontos de vulnerabilidade no ambiente escolar. Em maio de 2024, realizei uma pesquisa in loco nos Estados Unidos, onde tive a oportunidade de conversar com policiais, xerifes, professores, médicos e alunos. Uma das conversas mais marcantes foi o relato de uma médica que atendeu uma vítima de ataque na Califórnia. Além disso, estudei protocolos internacionais, especialmente os difundidos pelo FBI, e desenvolvi uma adaptação estratégica voltada à realidade brasileira. O resultado foi a criação do método ESCUDO 360, uma abordagem abrangente e detalhada, que trata desde a prevenção até o pós-fato, com foco em ações práticas e respostas eficazes para o ambiente escolar - revelou Valci, que também é policial militar e advogado com especialização em Direito Penal e Processual Penal.

O livro é baseado em casos reais ocorridos em escolas brasileiras entre 2011 e 2024, especialmente aqueles com vítimas fatais. Foi escrito para um público amplo, com foco nos profissionais da educação, além de agentes de segurança pública e privada, pais e responsáveis. Segundo o autor, cada um desses públicos encontrará na obra elementos específicos que dialogam diretamente com seu papel na construção de um ambiente escolar mais seguro. O objetivo, de acordo com Valci, é oferecer uma visão integrada, mostrando como a prevenção da violência nas escolas depende da atuação conjunta de toda a comunidade escolar, incluindo as famílias, que exercem um papel fundamental nesse processo.

– Todos os elementos foram construídos a partir de uma pesquisa aprofundada sobre ataques violentos. Minha atuação direta na segurança pública, como policial militar há 23 anos, foi fundamental para reconhecer vulnerabilidades recorrentes e propor soluções pragmáticas, objetivas e adaptadas à realidade das escolas no Brasil. Por isso o livro aborda protocolos internacionais de segurança escolar, com base nas práticas mais reconhecidas mundialmente. No Brasil, até então, não existiam protocolos específicos voltados para a prevenção e a resposta a ataques em ambiente escolar, uma lacuna séria diante do aumento desses episódios violentos. O método ESCUDO 360 surge justamente para preencher esse vazio, oferecendo um novo olhar sobre um desafio antigo. Ele propõe uma adaptação urgente e estratégica de toda a comunidade escolar, desde a prevenção até a gestão da crise e o pós-fato. É essencial que o profissional da educação compreenda como agir diante de uma situação crítica, saiba reconhecer sinais de alerta, conheça os procedimentos de proteção e entenda a importância da atuação coordenada entre escola, famílias e forças de segurança. Preparação salva vidas, e o conhecimento é o primeiro passo para a proteção - afirmou.

Um dos pontos considerados mais importantes no livro é a segurança emocional dos alunos. Segundo Valci, “um ambiente seguro vai muito além da integridade física, e envolve também o bem-estar psicológico e emocional dos estudantes”. Neste aspecto a publicação destaca a importância de se criar uma cultura escolar que promova o acolhimento, a escuta ativa e a mediação de conflitos, prevenindo situações que possam evoluir para atos de violência. 

– O livro reforça que o cuidado com a saúde emocional contribui diretamente para a prevenção de crises e para a construção de um ambiente mais seguro e colaborativo. Por isso, protocolos de segurança precisam contemplar estratégias que integrem tanto a proteção física quanto o suporte emocional, envolvendo toda a comunidade escolar nesse compromisso - alertou o autor.

O livro também aborda questões como a formação específica para os profissionais da escola, enfatizando que a prevenção eficaz passa, necessariamente, por um processo contínuo de preparação e atualização desses agentes.

– O que a gente propõe é a implementação de treinamentos específicos voltados à identificação de comportamentos de risco, gestão de crises, protocolos de evacuação e resposta a situações de emergência, além de práticas de mediação e fortalecimento de vínculos. A obra defende que, em tempos de paz, é preciso treinar com seriedade para que, em momentos de crise, as ações sejam rápidas, seguras e coordenadas. A formação da equipe escolar (professores, gestores, colaboradores e até mesmo alunos) é um pilar essencial para reduzir vulnerabilidades e salvar vidas - explicou Valci.

Ao ser questionado pela Folha dos Lagos sobre o maior desejo com a publicação, o autor foi direto:

- Meu maior desejo com essa publicação é provocar uma mudança real na forma como enxergamos a segurança nas escolas. Quero que o livro sirva como um alerta, mas também como um guia prático para a ação. Que ele desperte a consciência de que prevenir é sempre mais eficaz do que remediar, e que a proteção da vida deve ser prioridade absoluta em qualquer ambiente educacional. Espero que cada leitor, ao finalizar a leitura, sinta-se mais preparado, mais responsável e mais engajado com essa causa. Que professores, gestores, pais e profissionais de segurança percebam que todos têm um papel ativo na construção de um ambiente escolar mais seguro. Se esse livro ajudar a salvar uma vida que seja, e a mitigar danos que podem ser irreparáveis, já terá cumprido seu propósito - garantiu.

Enquanto o livro ainda não chega às livrarias e escolas, Valci tem ministrado palestras sobre segurança escolar. Segundo ele, o objetivo é levar informação de qualidade, provocar reflexão e, principalmente, preparar educadores, alunos e famílias para agir com responsabilidade e consciência diante de situações críticas.

– Atualmente desenvolvemos três formatos distintos de abordagem sobre segurança escolar, cada um com objetivos e níveis de aprofundamento específicos. O seminário é uma palestra expositiva conduzida por mim, com duração de aproximadamente 2h30min, voltada para professores, gestores e colaboradores. Nele, abordamos temas centrais como prevenção da violência, identificação de sinais de alerta, protocolos de segurança e o papel de cada profissional na construção de um ambiente escolar mais protegido. O workshop é uma imersão mais aprofundada, com cerca de 8 horas de duração, que conta com uma equipe multidisciplinar. Além da minha participação, temos uma psicóloga que trata com profundidade questões comportamentais, bullying, cyberbullying e outros fatores de risco relevantes. Também são apresentadas noções de primeiros socorros com foco específico em situações de ataques nas escolas. É um evento cirúrgico, com potencial de transformar a forma como os profissionais da educação enxergam e lidam com a segurança nas instituições de ensino. Já o treinamento imersivo é o mais abrangente, voltado para toda a comunidade escolar, incluindo alunos, professores, colaboradores e gestores. Ele envolve simulações práticas, rotinas de evacuação e outras medidas essenciais para uma resposta rápida e eficaz em situações de crise. Esse treinamento é conduzido por uma equipe altamente qualificada, e pode ser aplicado a alunos a partir dos 5 anos de idade. Trabalhar com crianças desde cedo é fundamental para desenvolver uma consciência preventiva e criar reflexos seguros de comportamento em situações de emergência, respeitando sempre a linguagem e o entendimento de cada faixa etária - explicou.