Água imprópria para banho no canto do Forte: MPF diz que há crime ambiental da Prolagos
Relatório do Inea revela vários trechos impróprios para banho, incluindo a Praia do Forte; concessionária argumenta que 85% da Lagoa de Araruama está em condições ótimas ou excelentes
O mais recente relatório de monitoramento de balneabilidade divulgado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) fez acender, nesta semana, a luz de alerta quanto à preservação ambiental de um dos principais atrativos turísticos de Cabo Frio: a Praia do Forte. Segundo o documento, o trecho próximo ao Forte São Mateus (na altura da Boca da Barra, principal ligação do mar com a Lagoa de Araruama pelo Canal do Itajuru) se encontra, entre outras praias do município, como imprópria para banho, o que coloca a concessionária Prolagos, alvo de constantes acusações de despejo de esgoto in natura na Lagoa de Araruama, em meio a mais uma polêmica. De acordo com o Inea, o monitoramento da balneabilidade realizado nos meses de janeiro e fevereiro mostra que os resultados bacteriológicos estão abaixo do padrão estabelecido pela Resolução Conama nº 274/2000. O órgão também revelou que esta não é a primeira vez que isso acontece: em 2022, essa mesma extensão se apresentou imprópria ao banho em março, abril, maio, outubro e dezembro.
À Folha, o procurador do Ministério Público Federal, Leandro Mitidieri, acusou a Prolagos de estar cometendo crime ambiental, e não descartou a hipótese de ingressar com uma ação civil pública contra a concessionária para obrigá-la a corrigir uma série de falhas nas estações de esgoto detectadas em diversas vistorias recentes.
– Sem dúvidas isso é considerado um crime ambiental. Tanto que já existem duas ações penais desde 2019, e uma recomendação recente. E no esgoto não precisa nem estar chegando na Praia do Forte, não. Qualquer despejo irregular na Lagoa de Araruama é crime. Já houve vistoria na lagoa, em todos os pontos de despejo. Depois disso tivemos duas ações penais, uma delas em relação ao despejo lá na estação de água, na Lagoa de Juturnaíba, e uma ação penal por despejo na Lagoa de Araruama. Desde então, fizemos cerca de cinco vistorias, cinco coletas, nas diversas estações da Prolagos, sempre junto com o Inea, e em um momento até com a Polícia Federal, porque impediram nossa entrada. Então, obtive uma ordem judicial e entrei com a Polícia Federal. Tudo isso culminou numa última tentativa de que a Prolagos resolva a situação sem que a gente precise ajuizar outra ação. Essa recomendação, que estipula uma série de condições para controle do despejo de esgoto na lagoa, foi feita no meio do ano passado. Desde então eles estão apresentando a posição de cumprimento da recomendação. Mas é um histórico grande, a fiscalização nunca parou. Se notarmos que a recomendação não está sendo cumprida, vai haver não só outra ação penal, mas também uma ação civil pública para que o juiz determine, liminarmente, que sejam feitas as correções que a gente já apontou – explicou o procurador do MPF.
Já o Ministério Público Estadual informou, por meio de nota, que “a 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Cabo Frio autorizou o envio da última manifestação da equipe técnica ministerial sobre o contrato de concessão de esgoto nas cidades de Cabo Frio, Arraial, Búzios, São Pedro e Iguaba, bem como a última solicitação de informações e esclarecimentos pelo MPRJ à Prolagos, e neste momento aguarda resposta da concessionária para, então, averiguar as medidas cabíveis”. Informou ainda que os responsáveis pela fiscalização dos serviços prestados pela Prolagos são o governo do estado, a Agenersa e as prefeituras titulares dos serviços, “que devem se manifestar sobre a adequação ou não das metas estabelecidas contratualmente e eventual necessidade de revisão”.
A Prefeitura de Cabo Frio disse que a questão da balneabilidade das praias está diretamente ligada ao saneamento básico, de responsabilidade contratual da concessionária Prolagos. Informou ainda que “o município tem atuado constantemente para cobrar soluções da concessionária para a adequação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Praia do Siqueira para o nível terciário, bem como para a implantação de uma rede separativa de esgoto, visto que o atual sistema a tempo seco não atende mais de forma satisfatória, principalmente em período de chuvas fortes e com grande aumento do número de visitantes”. Por fim, disse que as ações de fiscalização são regulares, acarretando inclusive na aplicação de multas pelo despejo indevido de esgoto na Lagoa de Araruama.
Além da Praia do Forte, o relatório de balneabilidade divulgado pelo Inea revela que a Praia do Siqueira (em frente à Rua Luiz Feliciano Cardoso nº 171) se mantém imprópria para banho desde abril do ano passado. Em 2022, a Praia das Palmeiras (ao lado do Quiosque Azul) esteve imprópria de janeiro a junho, depois em agosto, novembro e este ano, na coleta feita neste mês de fevereiro. Já a Praia da Passagem (em frente à Pousada Recanto da Passagem) esteve imprópria para banho entre maio e agosto e de outubro a dezembro de 2022. O mesmo quadro se repetiu em janeiro deste ano.
Em nota à Folha, o Inea explicou que as praias do Siqueira e Palmeiras são lagunares e estão próximas às saídas de galerias de águas pluviais e da Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) da Prolagos. “Por receber influência desses dois fatores, podem se apresentar impróprias ao banho”, diz a nota, que informa ainda que a próxima coleta na Praia do Forte está prevista para o próximo dia 8 de março.
SÃO PEDRO E IGUABA TAMBÉM TÊM TRECHOS IMPRÓPRIOS
Área de concessão da Prolagos, as cidades de São Pedro da Aldeia e Iguaba Grande também tiveram trechos impróprios para banho em 2022. Em 2023, segundo relatório do Inea, ainda não houve coleta nesses municípios.
Em São Pedro, um dos trechos fica em Praia Linda, em frente à Rua Tadeu Neto: o resultado deu impróprio em abril e novamente de setembro a dezembro. O trecho impróprio fica bem ao lado das ruas Dr. Plínio e Rosa Paiva. Em novembro do ano passado, a Folha recebeu vídeo de moradores do local denunciando despejo de esgoto in natura no lugar. As imagens enviadas ao jornal mostravam uma água bem escura, cheia de espuma e com muita sujeira boiando. Moradores também relataram um cheiro forte de esgoto. Questionada na época, a Prolagos informou que o sistema do bairro Praia Linda estava operando em perfeitas condições.
Outros trechos de São Pedro que foram considerados impróprios em 2022 são Praia do Centro, em frente ao trevo e ao Posto Ipiranga (fevereiro a maio e de agosto a dezembro); Praia do Centro, em frente à Praça Hermógemes Freire da Costa (fevereiro e março, de abril a julho e de setembro a dezembro); Praia da Pitória, em frente ao n° 1001 (abril, julho e de setembro a dezembro); Praia do Sol, em frente à Rua dos Nacaratos (abril); Praia do Sudoeste, em frente à Estrada do Boqueirão (abril e de setembro a dezembro); Praia do Balneário, em frente à Rua Professor Brandão Filho (abril); Praia da Ponta D'Areia, em frente à Rua Alzira Barreto (julho e outubro) e Praia do Porto D’Aldeia, em frente à Rua Henrique Monteiro (janeiro e de março a maio).
Em Iguaba, foram considerados impróprios para banho em 2022 o trecho em frente à Rua Bolívia, próximo à Praia do Popeye (janeiro); à direita da Rua Santa Tereza, próximo ao antigo pier (abril e maio); em frente à Rodovia Amaral Peixoto n° 1656, próximo à antiga sede da Prefeitura (fevereiro, abril e maio, setembro a dezembro); Rodovia Amaral Peixoto, em frente ao posto Tigrão (abril, setembro a dezembro), e em frente à Rua das Hortências, no bairro Ubás (abril). Cabe lembrar que em dezembro de 2022 a Prefeitura de Iguaba Grande anunciou a intenção de candidatar justamente este último trecho ao programa Bandeira Azul, um certificado internacional conferido somente a praias e lagoas que possuem gestão sustentável e livre de esgoto ou qualquer tipo de poluição.
PESCADORES DENUNCIAM PROBLEMAS DE SAÚDE DEVIDO À POLUIÇÃO NA LAGOA
Francisco Guimarães Neto, conhecido como Chico Pescador, vive da pesca da região desde que nasceu. Ele já presidiu entidades ligadas ao assunto e foi coordenador da Câmara Técnica de Pesca do Consórcio Intermunicipal Lagos São João. Em conversa com a Folha, ele denunciou que vários pescadores estão colocando a saúde em risco para garantir o sustento com a pesca, mesmo com a água imprópria para banho.
– Ainda tem despejo de esgoto no canal da Lola, próximo à Ilha do Japonês. Ali as condições de pesca também não são boas. Perto do Mercado de Peixe, e mais à frente um pouco, no Porto do Carro, a situação também é bem crítica. E isso prejudica muito, principalmente porque temos pescadores que são legalizados pelo órgão federal para pescar na água, a chamada pesca de Troia, e vários deles já tiveram problemas de pele porque tem lugares que estão impróprios. Mesmo assim eles entram na água porque precisam trabalhar, precisam pescar e acabam contraindo algumas doenças. Ou seja, além de diminuir a diversidade de peixes, o despejo de esgoto ainda acaba gerando lesões na pele dos pescadores – denunciou.
Sobre a Praia do Siqueira, Chico contou que os pescadores do local sofrem não só com a incidência do esgoto, mas também com a questão do efluente.
– A Prolagos insiste em continuar jogando o efluente para a lagoa, mas a lagoa não suporta essa quantidade, principalmente de fósforo, que vai junto com o esgoto. Então isso enfraquece a lagoa, e ela já está com tempo determinado para voltar a escurecer novamente. O que a gente pretende é buscar especialistas, com ferramentas científicas, que mostrem o problema, como já mostraram no passado, e que joguem uma luz não somente para a Prolagos, mas também para os prefeitos, que são quem têm a caneta na mão, e o estado – contou à Folha.
O QUE DIZ A PROLAGOS?
Por meio de nota ao jornal, a concessionária alegou que “segundo dados do Inea, 85% da Lagoa de Araruama está em condições ótimas ou excelentes, e que nos demais trechos o corpo hídrico sofre influências diversas, como água de chuva oriunda de redes de drenagem sem limpeza ou manutenção, poluição de rios sem tratamento adequado e lançamentos irregulares de esgoto”.
Lembrou ainda que, entre novembro/2022 e fevereiro/2023, a Região dos Lagos foi atingida por consecutivos períodos de fortes chuvas, que carregam para os corpos hídricos impurezas acumuladas em rios e galerias pluviais. Inclusive citou que a Boca da Barra “é o único ponto de troca de água entre a Lagoa de Araruama e o mar e está sujeita à influência das chuvas”. Dados do Inea, no entanto, apontam que a poluição já acontecia fora desses dois períodos de chuvas citados na nota.
Atualmente, o sistema em tempo seco operado pela concessionária conta com 38 km de cinturão que deveriam impedir o despejo de esgoto in natura na lagoa. Até 2024, serão executados os 26 km adicionais faltantes para conclusão da blindagem à Lagoa de Araruama, investimento que, segundo a Prolagos, totalizará R$ 50 milhões. Em 2022, foram executados os trechos de Ubás (Iguaba Grande) e, em 2023, serão contemplados os bairros de Recanto das Dunas, Vila do Sol, Jacaré (próximo ao Mercado de Peixe) e Porto do Carro, em Cabo Frio; Vinhateiro, Mossoró, Baixo Grande, Nova São Pedro e Campo Redondo, em São Pedro da Aldeia; e Vila Industrial, em Arraial do Cabo.
Sobre a Praia do Siqueira, a Prolagos explicou que embora irregularidades tenham sido apontadas pelo MPF, a ETE funciona de acordo com a licença de operação e atende aos parâmetros da legislação ambiental. Revelou também que, em breve, a unidade passará por obra de ampliação e será uma das mais modernas da região, atuando em nível terciário. O projeto está em fase de aprovação e licenciamento junto aos órgãos ambientais. Em agosto do ano passado, a concessionária iniciou obras de implantação de rede separativa na Praia do Siqueira. Sua conclusão está prevista para o primeiro trimestre de 2023.