'Era peixe que não acabava mais'

A lagoa vive: pescador captura perumbeba gigante em São Pedro da Aldeia

Seu Jarlei Rodrigues encontra peixe de 29 quilos; e não é história de pescador: fotos comprovam o feito

31 OUT 2022 • POR Fernanda Carriço • 20h08
" Eu precisei de ajuda pra tirar ele da rede e carregar", conta seu Jarlei - Fernanda Carriço

Tinha tudo para ser mais um dia de pesca de rotina, mas aquela manhã de julho foi diferente para Jarlei Rodrigues da Silva da Costa, 56 anos, acostumado a tirar das águas hipersalinas da Laguna de Araruama seu sustento desde a infância – começou na profissão com apenas oito anos. Eram cerca de 6h30 quando o morador de São Pedro da Aldeia avistou algo muito grande na rede. Assustou-se. Quando chegou mais perto, a surpresa foi maior ainda. Estava lá, diante dos seus olhos, em pleno ano de 2022, a maior perumbeba já pescada na Laguna de Araruama.

— Quando eu vi, eu nem quis saber de mais nada que poderia ter na rede. Eu precisei de ajuda pra tirar ele da rede e carregar. Só pra limpar o peixe eu demorei três horas. E só pensei em comer. Até apareceu gente pra comprar, mas eu quis comer com a minha família.

O peixe de 29 quilos entrou pra história local. Por onde quer que passe, seu Jarlei ouve algum comentário da perumbeba. E, claro, ele adora contar a história, mesmo porque a espécie andava sumida por essas águas. A melhoria da balneabilidade da laguna fez com que a perumbeba ressurgisse, assim como a carapeba.  Seu Jarlei dividiu com os quatro irmãos.

—  Era peixe que não acabava mais. Rendeu umas três refeições lá em casa. Fora o que dei para os meus irmãos. Minha esposa fez ensopado com pirão. É um peixe com sabor forte. Ela não gostou muito . Mas eu adorei e ri muito também. Comemos muito, e o peixe ainda continuava lá, não acabava. Perguntava ao meu filho se queria mais e ele dizia que não aguentava mais (risos) – conta.

O filho do seu Jarlei, Hyan Valadares, também faz coro ao pai.

— É um peixe muito bom, com pouca espinha. Me marcou que foi o maior peixe que já vi na lagoa. É uma lembrança boa que vou ter vai ser do meu pai pescando. E que nossa Lagoa está muito boa e limpa. E o sabor da comida: muito bom – diz Hyan.

É de frente para a lagoa de água cristalina, em um dia de sol forte de outubro no Boqueirão, que seu Jarlei encontrou a reportagem da Folha. De lá, fez questão de seguir até a Baleia para mostrar as belezas do lugar onde nasceu e cresceu. Na tradicional comunidade de pescadores, o assunto é um só: o tamanho da perumbeba que seu Jarlei pescou. Ele ouve o comentário dos amigos com sorriso no rosto e brilho nos olhos – não consegue disfarçar o orgulho. Na roda de conversa estava Paulo Cesar.  Mais conhecido como Azeredo, ele é apresentado com o pomposo título de “maior pescador da área”. Azeredo brinca com seu Jarlei:

— Foi sorte de pescador! Só vi a foto e a espinha! Não me convidou para comer – diverte-se Azeredo, rindo e brincando com o amigo Jarlei.

Brincadeiras à parte, Azeredo reconhece o feito do amigo e diz que é uma história que não pode se perder. Ele mesmo também revela suas próprias conquistas. Chegou a pescar uma carapeba de cerca de 25kg há uns anos e comandou uma pescaria recente que bateu recordes:

— Foram 2,3 toneladas de carapeba. Tínhamos quatro embarcações lotadas – relembra Azeredo, que é também um grande pescador da famosa tainha, peixe que está na memória dos moradores por ter o sabor de comida de infância que fica marcado para a vida toda.

— A tainha é a nossa comida. Não tem peixe igual — define Azeredo.

E a receita que ele mais gosta é a mais tradicional possível: tainha ensopada com pirão. Na ponta da língua, ele conta que ele mesmo prepara em casa, porque é uma das comidas que a filha ama.

— Refogo as rodelas de tomate e cebola no azeite. Quando está mole, coloco cheiro verde e coentro, dois dentes de alho e um pouco de água. Quando ferve, entra o peixe, que já coloquei sal uns 30 minutos antes. Ferve mais ou menos 20 minutos. Depois desfio um pedaço dele e faço o pirão.

Na beira da laguna, na Baleia, o papo corre solto e animado. A conversa é sobre a beleza que está a lagoa, o quanto lutam para preservá-la. Muito mais de ser fonte de sustento, a laguna confere, para estes pescadores, o próprio significado da vida. Por isso, a revitalização representa tanto para eles, que contam que até mesmo peixes de oceano têm aparecido, como xerelete, graçainha, moreia, monito e até lula, molusco tradicional nas águas de Arraial do Cabo. São informações que viraram estatística pesqueira através do projeto Imersão, parceria entre a Universidade Veiga de Almeida e a concessionária Prolagos. O projeto é coordenado pelo biólogo Eduardo Pimenta, também presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica Lagos São João.

— Os dados que comprovam a melhoria da qualidade da Lagoa são dados técnicos e científicos, por monitoramento do corpo hídrico. Monitoramento feito pelo Inea, pelo Consórcio Intermunicipal Lagos São João e pela própria concessionária, que diz que entre 85% e 90% das praias lagunares estão em boas e ótimas condições de balneabilidade – sublinha o biólogo, ressaltando também a importância do período de defeso.

— Isso se converteu em melhorias também significativas para a produção pesqueira. Melhorou a qualidade da água e aumentou a quantidade de água que adentra na lagoa por conta da dragagem que está em curso. Outra coisa também que ajudou muito foi o período de defeso, de três meses. De uma maneira geral,o pescador cumpre isso.

As espécies mais pescadas na Laguna de Araruama | Fonte: Projeto Imersão/Prolagos UVA

Para completar este círculo virtuoso, a Prolagos investiu mais de R$1,4 bilhão nos serviços de água e esgoto. Isso é mais do que o dobro de investimentos realizados por habitante do que a média nacional, de acordo com o Instituto Trata Brasil. “Com esta contribuição, o índice de coleta de esgoto passou de 0% para 80%, e 100% do que é coletado é tratado em uma das sete estações operadas pela companhia”, diz a concessionária, em nota. Além disso, em complemento ao atual modelo Coleta em Tempo Seco, nos próximos cinco anos a Prolagos irá investir aproximadamente R$ 1 bilhão em obras de saneamento em Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Iguaba Grande e São Pedro da Aldeia. E também informa que fará a implantação de rede separativa de esgoto, reivindicação antiga de moradores que será atendida. Afirma a concessionária: “A construção de rede coletora em cada município será por etapas, em áreas com maior concentração de habitantes para atender a 50% da população até 2026. Para otimizar os investimentos foram consideradas as áreas que tenham estações de tratamento e estações elevatórias (unidades de pressurização de esgoto) já instaladas”.

Outra medida que ajudou a melhora da balneabilidade foi a implantação de 38 quilômetros de cinturão coletor de esgoto, com recordes de pescado, desenvolvimento do turismo local e geração de renda para a população. Fato que é fiscalizado e testemunhado por pescadores como seu Jarlei e Azeredo, que observam o retorno de espécies como perumbeba ou carapeba.

— A perumbeba ficou um bocado de anos sem aparecer e reapareceu ano passado. Isso aqui é de uma riqueza tremenda. Quantos pescadores comem e bebem dessa lagoa? — exalta seu Jarlei, apontando para a imensidão de água, que contrasta com o azul do céu como se fosse um quadro pintado à mão. No barco que não tem nome, ele navega com simpatia e simplicidade que o acompanham como características de sua personalidade. É um entre tantos os pescadores da região. Mas um feito é só dele. Seu Jarlei pescou a maior perumbeba da Laguna de Araruama. É fato: registrado, fotografado e, agora, publicado. E não é história de pescador.