Sophia Editora lança livro sobre desfiles das escolas de samba no período pós-ditadura militar
'Unidos da Democracia', de Guilherme Guaral, será lançado nesta segunda (30), no novo espaço da editora, em Cabo Frio
Ouvidos hoje em dia, versos como “Quero que meu amanhã seja um hoje bem melhor, uma juventude sã, com ar puro ao redor”, do samba-enredo ‘que o Império Serrano levou para a Marquês de Sapucaí em 1986, parecem ter sido escritos nos dias de hoje, dada a atualidade da obra dos compositores Aluizio Machado; Luiz Carlos do Cavaco e Jorge Nóbrega. Praticamente um ‘samba-manifesto’ por direitos, justiça, liberdade e democracia, algo impensável anos antes, mas que representava um grito reprimido por mais de duas décadas de ditadura militar naquele que foi o ‘Carnaval da Nova República’.
Período fértil da cultura e do Carnaval carioca, os anos seguintes à abertura política no país são retratados no livro ‘Unidos da Democracia – As Escolas de Samba do Rio de Janeiro e os enredos políticos da Década de 1980’ (Sophia Editora, 539 págs.), do ator, professor e historiador Guilherme Guaral, que será lançado na próxima segunda-feira, dia 30, a partir das 19h, no novo espaço da Sophia Editora (Rua Major Belegard, 502, Centro, Cabo Frio).
A obra traça um amplo e minucioso painel da época, ano a ano, de todos os acontecimentos políticos que, de alguma forma, desaguaram nos 700 metros de pista do Sambódromo, como a anistia; a campanha das Diretas Já; a Assembleia Nacional Constituinte, que resultou na elaboração da Carta Magna de 1988; e as eleições presidenciais de 1989, as primeiras realizadas em 29 anos.
Apesar do recorte histórico, o livro que resulta da tese de pós-doutorado do autor, amplia o campo de investigação, passando por suas próprias memórias afetivas; por aspectos teóricos da comunicação; e pela produção de sentido por meio da linguagem ritualizada e audiovisual das escolas de samba. São retratados os chamados ‘anos de chumbo’ da ditadura (1964-1979) e também como os enredos políticos da década de 1980 reverberam no atual momento da festa. A apresentação é do jornalista e enredista João Gustavo Melo e o prefácio, do professor doutor Francisco Carlos Palomanes Martinho.
– A ideia do livro é mostrar que as escolas de samba não são apenas organizações para alienar a massa. Cada escolha que elas fazem de enredo têm uma intenção e é uma intencionalidade política. Acho que é o espaço para discutir e debater as condições atuais da vida e, sobretudo, no momento que a gente está vivendo, a perseguição ao que é cultural, a perseguição a ter opinião, a ter participação, a ter engajamento nas questões ligadas à cultura, às minorias – avalia Guaral.
O autor destrincha desfiles históricos, fortemente carregados de uma temática social, seja com irreverência e irreverência e nacionalismo, caso da Caprichosos de Pilares, do carnavalesco Luiz Fernando Reis, (‘e Por Falar em Saudade’, de 1985, e ‘Brasil com Z, Não Seremos Jamais ou Seremos?’, de 1986, entre outros) seja colocando o ‘dedo na ferida’, como fazia a São Clemente, que se notabilizou pelos enredos de crítica engajada ao longo daquela década (‘Quem Casa quer Casa’, de 1985, e ‘Capitães de Asfalto’, de 1987, entre outros).
Artistas visionários e transgressores, como o carnavalesco Fernando Pinto (1945-1987) também são retratados pelas suas criações, repletas de críticas com apelo social, caso de ‘Tupinicópolis’, apresentado pela Mocidade Independente de Padre Miguel no Carnaval de 1987. Associada a enredos de exaltação ao regime militar até 1975, a Beija-Flor de Nilópolis tem destaque no livro pelos devaneios críticos de Joãosinho Trinta ( 1933-2011), que resultaram na sua ousadia maior: ‘Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia (1989), considerado por muitos como o maior desfile da história e que aparece em destaque na capa do livro, ilustrada por Ronnie Foster.
Questionado sobre o binômio ‘política-samba’, o autor afirmou que vê semelhanças entre o momento retratado pela obra e os dias atuais.
– Foi um período interessante das escolas de samba, que saíram um pouco daquela lógica dos enredos mais tradicionalistas, de uma história oficial, e puderam cantar as nossas agruras e mazelas, mas também os nossos sonhos, desejos e utopias. Então acredito que é importante lembrar esse momento. Acho que estamos vivendo um momento parecido, que as escolas estão se voltando a refletir o cotidiano e levar isso para Avenida – conclui Guaral.