MP apura denúncia sobre medicamentos vencidos em galpão da Secretaria de Saúde de Cabo Frio
Prefeitura afirma que nenhum medicamento fora da validade foi adquirido pela gestão atual
O Ministério Público abriu inquérito civil público para investigar o acúmulo de remédios vencidos num galpão contratado pela Secretaria de Saúde de Cabo Frio, no bairro de São Cristóvão. Na tarde desta quarta-feira (22), o espaço, na Avenida América Central 338, passou por perícia da Polícia Civil, após solicitação da 3° Promotoria de Tutela Coletiva de Cabo Frio. Agentes do Grupo de Apoio aos Promotores de Justiça (GAP/MPRJ) cercaram a área, com apoio da Polícia Militar. No local, foram encontradas toneladas de medicamentos com data de validade expirada ou prestes a vencer. A Prefeitura de Cabo Frio afirma que tudo foi "deixado pela gestão anterior do governo municipal". “Nenhum medicamento que está vencido foi adquirido pela gestão atual", diz nota. Ainda não há prazo para a conclusão da perícia.
O MP requisitou ao prefeito, ao procurador-geral do Município e ao secretário municipal de Saúde que seja feito um inventário do material armazenado e bens perdidos e que estariam fora da validade, para fins de cálculo do prejuízo ao erário, entre outras diligências. A análise terá supervisão do MPRJ e da Polícia Civil. Assim que prestados todos os esclarecimentos, o MP avaliará a ocorrência de eventual ato de improbidade administrativa e seus responsáveis, por meio da Promotoria de Justiça com atribuição.
Na terça-feira (21), o vereador Roberto de Jesus protocolou pedido de busca e apreensão no MP. No mesmo dia, chegou ir ao local, mas foi proibido de entrar. "Recebi um comunicado de que não poderia fiscalizar. Só se fosse por ofício. Mas eu estava na minha função constitucional de fiscalizar qualquer órgão público", contestou. Depois, ainda segundo Jesus, foi solicitado a ele que se dirigisse até a Secretaria de Saúde, para fazer as devidas apurações ao lado do titular da pasta, Felipe Fernandes. "Quando cheguei à secretaria, me informaram que sequer em Cabo Frio o secretário estava".
O vereador disse ter passado a noite em frente ao galpão, por suspeitar que pudesse haver remoção do material na madrugada. Em áudio enviado ao programa de Juarez Volotão, da Nossa Rádio, o secretário Felipe Fernandes reiterou que os medicamentos fora da validade são referentes a gestões anteriores. "Nós, da secretaria, assumimos gestão em janeiro deste ano, e estes medicamentos já estavam lá", assegurou Felipe. Entretanto, para o vereador Roberto de Jesus, causa estranheza o fato de terem sido encontrados medicamentos vencidos em abril, julho e agosto de 2021. Ainda segundo o vereador, também há no galpão material de papelaria e "tocas novas" espalhadas pelo chão.
"Não estou buscando saber se o responsável é o prefeito A ou B. Estou questionando e fiscalizando o que está sendo feito com o dinheiro público", disse Roberto Jesus.
A primeira denúncia sobre o caso foi feita no dia 4 de setembro, em postagem no Facebook, pelo comunicador Dirlei Pereira, que já foi secretário de Saúde do município. "Muitas pessoas morrem por falta de remédio em Cabo Frio e Tamoios. Enquanto isso, milhares de caixas de medicamentos, alguns muito caros, perderam a validade. Segundo informações, são milhões de reais jogados fora, na maior parte dinheiro federal", escreveu no post publicado naquela data.
Dirlei contou à Folha que recebeu a denúncia de fonte anônima. Logo em seguida, dirigiu-se ao local. "Encontrei as portas fechadas. No entanto, havia espaço de cerca de três, quatro centímetros por baixo das portas. Coloquei o celular para dentro, num espaço bastante apertado, e consegui registrar as fotos", contou. "Mesmo sem se identificar, gestores e ex-gestores da Saúde comentaram comigo sobre as denúncias. É algo incompreensível, imperdoável, que só se pode atribuir à má gestão. Como é possível que a logística de distribuição falhe a ponto de deixar que medicamentos caros percam a validade?", questionou.
"Demos prioridade para abastecer nossa cidade de medicamentos e insumos", diz secretário
No áudio enviado à Nossa Rádio, o secretário Felipe Fernandes disse que os "governos anteriores não deram conta de incinerar os medicamentos, o que é o protocolo oficial da Anvisa". Ele informou que um processo de licitação para incinerar os medicamentos foi aberto na semana passada. "Este galpão está em contrato com a Prefeitura desde 2014. Ou seja, desde 2014 este galpão é utilizado para armazenamento de medicamentos que ficaram fora da validade. Nós, da secretaria, assumimos a gestão em janeiro deste ano, e estes medicamentos já estavam lá. Inclusive, o MP acionou a secretaria em 2020. A secretaria anterior não respondeu ao MP. Nós respondemos. Inclusive, já foi aberto há algumas semanas o processo de licitação e incineração desses medicamentos. Ou seja, os governos anteriores não deram conta de incinerar esses medicamentos, que é o protocolo oficial da Anvisa. Por que não incineramos esses medicamentos? Porque demos prioridade para abastecer nossa cidade de medicamentos e insumos, pois pegamos a secretaria desabastecida".
O secretário ainda fez menção a supostas irregularidades na pasta em gestões passadas, sem no entanto, mencionar qualquer caso específico. "Deve incomodar muito termos uma secretaria que faz licitações justas, em que nenhum vereador e nenhum político manda em nenhuma unidade de saúde, igual havia antes. Mas nós estamos aqui para responder com tranquilidade cada informação que a população precisa".
Prefeitura diz que respeita protocolo da Anvisa
Em nota encaminhada à imprensa, a Prefeitura disse que respeita o protocolo da Anvisa para armazenamento e descarte de medicamentos vencidos. Leia abaixo o texto na íntegra. "A Prefeitura de Cabo Frio informa que o depósito da Secretaria de Saúde possui sete toneladas de medicamentos vencidos que foram deixados pela gestão anterior do governo municipal. Ao assumir neste ano, a gestão atual realizou o levantamento da situação e deu início ao processo licitatório para contratação do serviço de incineração dos medicamentos vencidos. Todos os itens que não podem ser utilizados estão devidamente sinalizados e separados dos demais. Nenhum medicamento que está vencido foi adquirido pela gestão atual da Prefeitura. A Secretaria Municipal de Saúde constatou que, no ano passado, foi realizada a incineração de três toneladas de medicamentos vencidos, mas as sete toneladas restantes foram deixadas no depósito. Também foi encontrado um ofício do Ministério Público sobre o tema, enviado no ano passado, e que não tinha sido respondido. A resposta foi enviada em janeiro deste ano, explicando a situação e relatando as providências que estão sendo tomadas. A Prefeitura esclarece que está respeitando o protocolo da Anvisa para armazenamento e descarte de medicamentos vencidos. As medidas também atendem a recomendação da Ação Civil Pública No 00003884-43.2016.8.19.0011, de setembro de 2019, na qual foi acordada a incineração nos moldes da Anvisa dos medicamentos imprestáveis ou com data de validade vencida."