MEMÓRIA 31 ANOS

Especial: a imprensa regional nos primórdios da Folha dos Lagos

Fundador Moacir Cabral e seus contemporâneos falam sobre os desafios de noticiar três décadas atrás

8 MAI 2021 • POR Rodrigo Branco • 14h00
Da esquerda para direita: os jornalistas Moacir Cabral; Ralph Bravo; Amaury Valério e Levi de Moura. - Reprodução Arquivo Pessoal Amaury Valério

Produzir um jornal não era uma tarefa simples quando a Folha dos Lagos começou a circular, há 31 anos, como ainda não é hoje em dia. Contudo, sem os recursos tecnológicos, o processo de levar a informação para o público era artesanal e bem mais trabalhoso. O surgimento da Folha, em 30 de abril de 1990, veio de um lance de ousadia do fundador, jornalista Moacir Cabral, apenas duas semanas depois de o recém-iniciado governo Collor ter feito o famigerado confisco das poupanças; reduzindo a pó, poucos dias depois, a esperança no primeiro governo civil eleito em 29 anos.

E não faltavam notícias para dar naquela virada de 1980 para 1990. O muro de Berlim que dividia a Alemanha em duas durante a Guerra Fria foi derrubado e a gigante vermelha União Soviética era dissolvida. O Brasil mal havia voltado a ser uma democracia com a Nova República, em 1985, e veria Collor sofrer o impeachment, acusado de envolvimento em corrupção, pouco mais de dois anos depois. Nos gramados da Itália, a Seleção era eliminada pela Argentina, sob o estigma da Era Dunga. Aqui em Cabo Frio, a gestão estava nas mãos do médico Ivo Saldanha; e em Arraial, de Hermes Barcellos, que morreria naquele ano.

Em formato tabloide e com periodicidade quinzenal, a Folha surgia ‘tímida’, nas palavras de seu fundador, mas disposta a fazer e contar história, apesar das limitações.

– As dificuldades para se fazer jornal em 1990 eram muitas. Já tínhamos saído do chumbo e da linotipo [antigos processo de impressão], com a chamada impressão ‘a quente’. A perdição eram as barulhentas [máquinas de escrever] Remington. Mas, para se ter ideia, poucos tinham telefone na cidade. Isso é um fator de dificuldade para produzir notícia, a produção gráfica era toda feita em Niterói e no Rio, com os jornais transportados em carros particulares ou ônibus. Hoje, com a produção gráfica computadorizada concluída, em menos de dez minutos está na gráfica no Rio e logo depois da meia noite já está em distribuição com os demais jornais cariocas e da região – compara Cabral.

Além dos jornais de circulação na capital, dividiam as bancas e as atenções dos leitores o jornal ‘Aqui’, tabloide mensal do jornalista José Correia Baptista e da colunista social Sueli Pedrosa; a ‘Folha de Cabo Frio’, do jornalista Ralph Bravo, e ‘O Cabo-friense’, fundado por Arlete Simone, Marilena Alves e Heraldo Queiroz. Se naqueles tempos, web rádio era coisa de ficção científica, a tradicional Rádio Cabo Frio AM, fundada em 1951 pelo historiador e advogado Wilton Massa e o engenheiro Wander Noronha, era quem chegava aos ouvidos, corações e mentes do povo.

A casa foi a primeira do radialista e comunicador Amaury Valério, que completa 32 anos no ar em junho com seu programa. Amaury destaca que naquela época, a classe jornalística da cidade se comunicava mais do que hoje.

– O início foi difícil e passamos por muitas provas. A gente se falava quase que diariamente, trocando informações, diferente de hoje, quando a gente vai na internet e vê todos os veículos, e até vê pessoas que nem são jornalistas fazendo ‘jornalismo’. A gente tem uma competição depois da internet, mas o rádio e o jornal sempre terão o seu papel de destaque, tanto nas mãos, como nos ouvidos e olhos da comunidade, por causa de um trabalho diferenciado. Naquela época, o coração batia mais forte, acelerava mais, mas estamos nos adaptando aos novos tempos – afirma Amaury, pontuando que a Rádio Globo era a líder de audiência até o seu programa estrear, em 15 de junho de 1989. 

Contemporâneo de Amaury e Cabral, Ralph Bravo lembra a importância do jornalista José Resende, antigo editor do jornal ‘Gazeta da Baixada’, que cobria polícia para o jornal O Globo. O veterano repórter relembra que Resende morava próximo à delegacia de Cabo Frio e, de manhã cedo, já corria atrás do livro de ocorrências.

Ralph diz que o conheceu durante uma das vezes que Resende sentou na mesa da calçada do antigo Restaurante Junior, na Praça Porto Rocha, para acompanhar o movimento. Uma edição da Folha de Cabo Frio debaixo do braço de Ralph foi a senha para o começo do papo. Ele ressalta a importância do trabalho documental feito pelo colega.

 – Cito José Resende porque graças a ele e aos jornais que ele editou pude levantar os dados necessários para compor cenários das décadas de 50 e 60 e ilustrar algumas das 30 biografias que redigi sobre empreendedores cabo-frienses do século passado.  Assim como o acervo da Folha dos Lagos será a fonte primária de pesquisadores daqui a 50, 100 anos, a coleção da Gazeta da Baixada me mostrou a importância dos jornais para a memória de uma comunidade, uma cidade, um município – comenta.