A nova concessão do Aeroporto Internacional de Cabo Frio virou alvo de críticas e contestações. Isso porque os estudos técnicos e edital para o certame estão sendo feitos pela Prefeitura com consultoria do Consórcio Mar Azul. Entretanto, uma das empresas do consórcio, a Infra, é interessada em administrar o aeroporto cabo-friense. A Infra, atualmente, opera o aeroporto de Campos dos Goytacazes, especializado em voos offshore e com poucas demanda de turismo, lazer e transporte de passageiros. A primeira denúncia sobre o assunto foi feita ainda em 2022, mas ganhou destaque esta semana através da manifestação de representantes do trade turístico da cidade.
Nos últimos dias, a Associação de Hotéis de Cabo Frio e o Conselho Comunitário de Segurança (CCS) demonstraram preocupação com o caso. As primeiras contestações vieram à tona em 2022, em postagens de Carlos Victor da Rocha Mendes, irmão e ex-secretário do ex-prefeito Marquinho Mendes. No dia 6 de dezembro, ele escreveu que “o fato de os Estudos Técnicos que irão orientar a concessão (do aeroporto de Cabo Frio) terem sido feitos por empresa que será concorrente no certame foge do padrão das concessões aeroportuárias que, desde 2011, vêm sendo realizadas pelo Governo Federal”. E completou:
"Embora seja esdrúxula, a realização dos Estudos Técnicos pela Infra está sendo considerada legal, visto que, em 9 de julho de 2019, o então prefeito Dr. Adriano Moreno assinou o Decreto nº. 6.035 que dispõe sobre o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) e sobre a Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada (MIP). No entendimento da comissão, o artigo 6º do Decreto nº. 6.035 possibilita a participação da Infra na concorrência pública, apesar de a modelagem da concessão ter sido feita pelo Consórcio Mar Azul,sob a liderança da Infra."
Para Carlos Victor, “ainda que possa ser considerada lícita, a participação da Infra na futura concorrência pública será atípica e muito inconveniente, afinal, as minutas do Edital de Licitação e do Contrato de Concessão fazem parte dos Estudos Técnicos elaborados pelo Consórcio Mar Azul, e como era previsível, a modelagem proposta privilegia o interesse da Infra em detrimento do interesse do município”.
A mesma opinião foi compartilhada esta semana pelo presidente da Associação de Hotéis de Cabo Frio, Carlos Cunha, que se preocupa com o direcionamento que estaria sendo dado à utilização do espaço nesse novo modelo de concessão que está sendo desenhado.
"Há necessidade de se contemplar também os voos comerciais", ressalta Carlos Cunha
"O atual edital, redigido pela Prefeitura com consultoria do maior interessado em vencer o leilão, tem foco principal nas atividades offshore. O trade, em consenso, entende a importância deste público para economia da cidade, porém, reforça a necessidade de se contemplar também os voos comerciais para o futuro do turismo de Cabo Frio, os quais são uma fonte de renda inesgotável de recursos, se bem trabalhado. Por isso, cientes da importância deste ato, as principais entidades do trade turístico de Cabo Frio e Região dos Lagos se uniram para acompanhar atentamente o edital e, por meio de ofício protocolado no último dia do prazo, datado de 12/12/22, fizeram algumas sugestões ao poder público visando garantir maior receita ao município de Cabo Frio com esta concessão", revelou Cunha.
O Aeroporto Internacional de Cabo Frio possui a segunda maior pista do Estado do Rio de Janeiro, perdendo apenas para o Aeroporto do Galeão, localizado na cidade do Rio. Durante as Olimpíadas (em 2016) desembarcaram no espaço todos os materiais esportivos utilizados pelas mais diversas seleções mundiais. Também foi no aeroporto de Cabo Frio que o segundo maior cargueiro do mundo pousou: o Antonov AN-124-100, com 68,9 metros de comprimento e capacidade para embarcar até 150 toneladas de cargas. Além disso, o aeroporto em Cabo Frio também tem capacidade de movimentar 570 mil passageiros por ano, mas esse número vem caindo ao longo dos últimos anos.
Segundo a administração do espaço informou à Folha, na última semana de 2022 estavam previstos apenas 11 pousos, todos da Azul Linhas Aéreas vindos do Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte. Na mesma época, em 2021, Cabo Frio recebeu três aeronaves a mais: sete vindas de Confins e duas de Congonhas (ambas pela Azul), e cinco vindas de Guarulhos (pela Gol). Para janeiro de 2023 a diferença é ainda maior: o aeroporto cabo-friense informou que estão programados 41 voos vindos de Confins, e outros dois fretados que virão de Montevideo, no Uruguai. Em janeiro deste ano foram 51 desembarques a mais.
"Ao longo do ano, diversas tentativas de aumentar o número de voos foram tentadas. Precisamos, com urgência, de voos regulares de Belo Horizonte, São Paulo, Campinas, Buenos Aires e outros destinos emissores. Necessitamos não só da constância e manutenção destes voos, mas também de tarifa competitiva. Para nós, do trade turístico, esse é um dos motivos de até hoje não termos estes voos regulares na cidade. Falta expertise da empresa que controla o aeroporto atualmente", relata Carlos Cunha, que completa: "Temos uma chance de ouro para mudar essa história. Porém, o edital está sendo redigido com o auxílio de outra empresa que tem o interesse de administrar o aeroporto ditando as regras dos requisitos que todos deverão seguir. Esta prática não é ilegal, porém, no mínimo é imoral e fere o princípio de transparência e imparcialidade que deve reger a esfera pública".
Quem também se manifestou com a participação da Infra na elaboração do processo de concessão foi a presidente do Conselho Comunitário de Segurança, Patrícia Cardinot. Em nota enviada à Folha, ela disse que “se a imprensa e sociedade organizada não gritarem, isso vai ser o maior crime contra Cabo Frio”
"Já postei sobre o andamento do processo de Licitação Pública da Concessão do Aeroporto de Cabo Frio. Inclusive tive oportunidade de conversar com um amigo advogado que está acompanhando o processo e ouvi suas ponderações sobre a questão e compartilhei minha preocupação. Me assusta que a base da consistência da tese a favor da maneira como a prefeitura está conduzindo a questão está na legalidade do decreto, mas não da ética, nem na conduta tradicional da Secretaria de Aviação Civil (SAC). A legalidade está amparada no decreto do Dr .Adriano, que não só não é ético, como é imoral. Esse decreto no mínimo deveria ter sido revisto por um governo que quer primar pela correção. Ou aboli-lo."
De acordo com o portal da transparência da Prefeitura, em 11 de fevereiro de 2022 foi publicada a Portaria nº 3418, que tratou da constituição de Comissão Especial de Concessão Pública ao Aeroporto Internacional de Cabo Frio, órgão responsável pelo tratamento, condução e apreciação dos procedimentos relacionados à nova concessão, entre outras medidas. O documento informa que a comissão seria formada por cinco membros indicados pelo prefeito José Bonifácio: Gustavo Beranger (assessor especial I) como presidente, além dos titulares Mirinho Braga (chefe de gabinete), Thelson Roberto Barros Cortês (subprocurador de Licitações e Contratos), Guilherme Teixeira Mello (presidente da Comissão Permanente de Licitações) e Rafael dos Santos Trindade (secretário-adjunto de Assuntos Urbanísticos), e dos suplentes Vitor Martim (assessor especial I), Nathan Barbosa (secretário-adjunto de Ações Estratégicas) e Vinícius Dias (secretário-adjunto de Receita).
Já no dia 25 de novembro a Prefeitura de Cabo Frio publicou uma consulta pública para tratar da nova concessão ao Aeroporto Internacional de Cabo Frio, com prazo de 26 anos e um mês contados da expedição da ordem de serviço, sendo prorrogáveis, a critério do poder concedente. O valor estimado é de R$ 1.118.611.421,00 na modalidade maior lance. Cinco dias após a publicação do edital de consulta pública, a Prefeitura informou ter realizado uma audiência pública no auditório do prédio municipal para debater o assunto.
Confira abaixo os questionamentos feitos pela Folha dos Lagos à Prefeitura de Cabo Frio.
1) As denúncias revelam que a empresa INFRA, que opera o aeroporto de Campos, e tem interesse no leilão de Cabo Frio, estaria prestando consultoria no processo. Isso procede?
A elaboração dos estudos técnicos para a nova concessão do Aeroporto Internacional de Cabo Frio foi feita através de um Chamamento Público aberto a todas as empresas interessadas. Três empresas participaram do Chamamento Público e duas apresentaram estudos técnicos. Na apreciação, ficou escolhido, por maior pontuação, o estudo formulado pelo Consórcio Marazul, que tem a empresa Infra como integrante.
2) Caso proceda, isso não torna o processo parcial, uma vez que além de ter informações privilegiadas, ela poderia direcionar o processo para algo que lhe beneficie, em detrimento das demais interessadas?
É incorreto dizer que a referida empresa foi contratada pela Prefeitura para consultoria, quando, na verdade, saiu vencedora de um Chamamento Público com participação aberta aos demais interessados. O procedimento foi acompanhado, na fase interna, pela Comissão de Concessão do Aeroporto, Procuradoria Geral do Município, Controladoria Geral do Município e o Gabinete do Prefeito, e na fase externa pelo Ministério da Infraestrutura, Secretaria Nacional de Aviação Civil, Advocacia Geral da União e o Tribunal de Contas da União (TCU).
3) Outra reclamação é que a licitação estaria sendo direcionada para o ramo off shore, deixando de lado voos turísticos e comerciais. Qual a explicação sobre o assunto?
Os maiores investimentos planejados serão, justamente, no Terminal de Passageiros e na infraestrutura voltada para a aviação civil. Pelo cronograma, fica programado o investimento de R$ 43 milhões no Terminal já em 2024, elevando a dimensão da estrutura dos atuais 1.740 metros quadrados para 6.300 metros quadrados. A segunda fase da ampliação está prevista para 2028, com investimento de mais R$ 15 milhões, quando o Terminal chegará a 8.000 metros quadrados. Sendo assim, o valor total aplicado será de R$ 58 milhões nos cinco primeiros anos.
Atualmente, 77% das receitas geradas com o Aeroporto de Cabo Frio são provenientes dos voos relacionados à indústria petrolífera. Com os investimentos no Terminal de Passageiros e as melhorias para a aviação civil, a ideia é equilibrar a balança.
